PDF Ensaios sobre justiça reconhecimento e criminalidade Juliana Melo.

Ensaios sobre justiça, reconhecimento e criminalidade.


Editoração Kamyla Alvares (editora) Sumário 09 | Prefácio | Patrice Schuch 13 | Introdução | Juliana Melo, Daniel Simião, Stephen Baines parte 1 -Desafios da Equidade 21 | As três dimensões do Direito e a (des)consideração pelos delitos morais em um Juizado Especial Criminal de Natal | Jairo de Souza Moura 57 | Novas estratégias, mesmos fins: pensando o Sistema Penal contemporâneo à luz de Foucault | Sophia de Lucena Prado 85 | Concepções de igualdade e dignidade no PCC | Carolina Barreto Lemos 123 | Reflexões sobre o governo da punição em São Paulo: as contribuições de Golden Gulag para as investigações sobre a gestão prisional no Estado (1993-2014) | Rodolfo Arruda Leite de Barros 159 | Fissuras do Estado de Direito: o dispositivo militarizado de segurança e punição no Brasil contemporâneo | Carlos parte 2 -Gênero 187 | O amor da "mulher de bandido" | Leonardo Alves dos Santos 219 | A mulher e a carreira criminosa: habilidades e competências necessárias a uma praticante de atividades ilícitas | Luciana Ribeiro de Oliveira 247 | Normatizando o tabu: análise do projeto de lei Gabriela Leite no contexto da prostituição brasileira atual | | Gabriela Wanderley da Nóbrega Farias de Barros, Raul Victor Rodrigues do Nascimento 283 | "A violência não tem gênero": indignação e vitimização de homens autores de violência contra a mulher na judicialização das relações sociais | Marco Julián Martínez-Moreno 307 | Agentes estatais e o "trabalho em rede": uma experiência institucional de atenção aos conflitos abarcados pela Lei Maria da Penha | Nicholas Moreira Borges de Castro 327 | Marcha das Mulheres Negras 2022: etnografia das lutas por reconhecimento do Movimento Feminista Negro | Andressa Lídicy Morais Lima parte 3 -Juventude 367 | "Quando as jovens infracionam": as relações de gênero por entre as grades do sistema socioeducativo de internação | Joana D'arc Teixeira 403 | Da dimensão formal-estrutural à dimensão simbólica: tensões e contradições nas Varas de Justiça especializada para adolescentes em Querétaro, México | Guadalupe Irene Juárez Ortiz 433 | Por uma etnografia das transversalidades urbanas: entre o mundão e os dispositivos de controle | Fábio Mallart, Taniele Rui 457 | Entre o pouco e o quase nada: alternativas colocadas a um jovem num bairro periférico de Salvador | Luiz Cláudio Lourenço 485 | Apontamentos etnográficos sobre a percepção dos moradores de duas favelas cariocas acerca do policiamento comunitário | Marcus Cardoso parte 4 -povos Tradicionais 519 | O conceito de aculturação indígena na antropologia e na esfera jurídica | Gustavo Hamilton de Sousa Menezes 541 | "Tinham aquellas terras como suas": poder, conflito e reconhecimento na territorialização dos índios Pitaguary | Eloi dos Santos Magalhães 571 | Terra, família e trabalho: o projeto camponês de um exescravo e de seus descendentes no pós-abolição | Carlos Alexandre B. Plínio dos Santos 605 | O que as narrativas indígenas revelam sobre a cidade? Considerações dos Baré sobre Manaus, AM | Juliana Melo 629 | De "primeros pobladores" a usurpadores: "invenção da tradição", invisibilização e criminalização do povo indígena Mapuche na Patagônia Argentina | Sebastián Valverde Os Organizadores 18 REFERÊNCIAS CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. Direito legal e insulto moral. Rio de Janeiro: Garamond, 2011. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2009. GEERTZ, Clifford C. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. O Saber Local: novos ensaios em Antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1998. KANT DE LIMA, Roberto. Ensaios de Antropologia e de Direito: acesso à justiça e processos institucionais de administração de conflitos e produção da verdade jurídica em uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria bandido. Em outras palavras, embora usuários de drogas tenham entre si este traço como formador de uma identidade, talvez, no ambiente do Judiciário, onde são processados e julgados como criminosos, tal traço indubitavelmente é um atributo depreciativo. Nesse sentido, os acusados precisam demonstrar uma intenção de "largar o vício". Na classificação de Goffman (1975, p. 7), é o tipo de estigma decorrente das "culpas de caráter individual", [. ] percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical. Para esses casos, há uma oferta de transação penal padrão por parte da promotora: o comparecimento a palestras do Núcleo de Orientação e Acompanhamento aos Usuários e Dependentes Químicos de Natal-NOADE, que extingue o processo. A informação padrão é que se trata de um programa da Justiça do Estado que visa à conscientização de usuários de drogas sobre os malefícios do uso continuado de substâncias ilícitas.


Essas palestras são conduzidas por um grupo interdisciplinar que inclui, dentre outros profissionais, psicólogos e assistentes sociais.


São estes os profissionais que decidem o tempo de cumprimento da obrigação, que, segundo relatos da conciliadora e da promotora, costumam variar de dois a cinco meses. Há ainda a possibilidade de o acusado comparecer às palestras e voltar ao JECRIM para substituí--las por outra medida, o que não parece ocorrer comumente.


A oferta é quase sempre aceita porque parece mais "benéfica" dentre as alternativas -pagamento em dinheiro ou serviços comunitários. As medidas estão previstas no Art. 28 da Lei de Drogas: I -46 advertência sobre os efeitos das drogas; II -prestação de serviços à comunidade; e III -medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. O pagamento em dinheiro não está nas hipóteses, mas é revertido a instituições filantrópicas e não tem caráter de multa, então é entendido como prestação de serviços à comunidade. Tanto a conciliadora, quanto a promotora e o defensor público, parecem crer que o procedimento é suficiente para "abandonar o vício" -ou, no mínimo, que é uma boa alternativa para quem assim o desejar. Há sempre a pergunta "o/a senhor/a senhora continua fazendo uso da substância?" (sem revelar o nome da droga que causou o processo), ao que os atores do Judiciário revelam alívio ou apreensão, dependendo da resposta do acusado. Quando um deles revelou ter "largado o vício" em crack, a conciliadora se mostrou curiosa em saber se houve algum tipo de auxílio religioso, tendendo a maximizar o que os réus narraram como pequenas contribuições. O caso de um acusado com posse de crack é bastante revelador, neste sentido: Conciliadora: O senhor teve alguma ajuda religiosa? Acusado: Eu fui umas vezes na igreja da minha mãe, mas passei mais tempo mesmo no sítio do meu pai. Eu fui pra lá e fiquei lá um tempo, aí parei de usar "pedra". Conciliadora [para a promotora]: A gente percebe que quando tem religião fica mais fácil mesmo. Nas audiências, os demais acusados, com exceção de um caso de comprimidos Ecstasy, foram flagrados com maconha. Mesmo sem tantos dados, é possível perceber uma "tabela de risco", a depender da droga: havia certa apreensão com a maconha, mas houve comoção com o crack. A "tabela" condiz com a representação social de "perigo", o que gerou desconfiança na veracidade da afirmação de que o acusado tinha "largado o vício" sem ajuda profissional. 47 Na audiência em que compareceu a acusada com posse de Ecstasy, um homem a acompanhou, com acusação de possuir maconha. Os dois estavam juntos no flagrante no carro de um terceiro, que disseram ter conhecido naquela noite, e se encaminhavam a uma festa quando foram abordados por policiais. Houve a proposta padrão do NOADE, mas não era possível para o homem, pois já tinha usado o "benefício" em outro processo. Isso gerou o seguinte diálogo: promotora [dirigindo-se à acusada]: Ele já participou do programa e pode dar a visão dele sobre como funciona. [Dirigindo-se ao acusado:] Acha que valeu a pena? Acusado: Sim, gostei muito. A gente vai lá e ouve umas palestras. promotora [dirigindo-se à acusada]: "Tá" vendo? Eu acho essa opção melhor, já que você falou que não quer mais usar. Acusada: Eu vou mesmo. Talvez me ajude, né? Apesar de terem um exemplo prático de que o programa não funciona como esperam -ou que não funcionou no caso do acusado reincidente -, tanto a promotora quanto a conciliadora mantiveram a fé de que aquela era a melhor proposta que poderiam oferecer para quem tinha interesse em "largar o vício", depois de questionarem o interesse: "Você quer mesmo parar? Porque só adianta ir lá se tiver vontade. Se não, vai tomar a vaga de outro que quer". Esse tipo de oferta assemelha-se à dádiva de Mauss (2011): os atores do Judiciário, em geral, encaram como "ofensa" a recusa em aceitá-la. Houve o caso de um jovem adulto processado por posse de maconha que recusou a oferta para prestar serviços comunitários, pois achava que se encaixaria melhor em sua agenda de estudante e estagiário, ao que o defensor respondeu: Olha, eu não sei se você continua fazendo uso da substância, mas eu acho que o NOADE é a melhor opção. A gente nunca sabe o futuro e REFERÊNCIAS ALMEIDA, Vera Ribeiro de. Transação penal e penas alternativas: uma pesquisa empírica em Juizados Especiais Criminais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.


PrEfácio patrice Schuch Em um texto originalmente publicado em 1983, intitulado: "Por uma antropologia do direito, no Brasil", Roberto Kant de salientou a vocação clássica da Antropologia de explicar as diferenças entre as diversas sociedades, utilizando-se do método comparativo.


Categorias, valores e significados, ao invés de "naturais" ou "gerais", passam a ser percebidos como arbitrários e específicos. No campo dos estudos sobre o que hoje chamamos de "Antropologia do Direito', isso significou um longo percurso de estudos que, de uma abordagem inicialmente interessada em descrever e classificar diferentes formas de controle social para descobrir suas leis de desenvolvimento, passou a abarcar o próprio questionamento do mito da centralização e da progressiva racionalização das práticas de poder. Especialmente referindo-se ao Brasil, Kant de proclamou a urgência das etnografias das instituições jurídicas e, sobretudo, anunciou uma agenda de estudos em torno das consequências da implantação de uma ordem jurídica liberal em uma sociedade que se representava hierarquicamente. Para o autor, o estudo do Judiciário poderia ser considerado uma "janela", a partir da qual era possível compreender e interpretar alguns dos aspectos da sociedade brasileira, aprofundando seu conhecimento e ocupando, afinal, um espaço vago.


A coletânea: Ensaios sobre justiça, reconhecimento e criminalidade, organizada por Juliana Melo, Daniel Simião e Stephen Baines, publicada após mais de 30 anos da conclamação de Kant de Lima, 10 não deixa dúvidas de que esse espaço não está mais vago e que as análises antropológicas sobre as formas jurídicas de administração de conflitos e suas relações com outras práticas, valores e categorias de produção da justiça continuam sendo um espaço relevante para compreender aspectos fundamentais de nosso país. Na coletânea, instituições consideradas centrais das sociedades ocidentais, como tribunais, delegacias e prisões, deixam de serem imunes à reflexão antropológica e aos olhares críticos e reflexivos de pesquisadores de áreas afins, para compor um repertório criativo de interrogações, em conjunto com a análise de processos socioculturais e políticos referentes aos grupos e populações tradicionalmente abarcadas pela análise antropológica, como povos tradicionais e indígenas.


A riqueza da obra está na reunião de artigos cujas problemáticas colocam-se em intenso diálogo com a tradição de estudos da Antropologia do Direito no Brasil, o que demonstra o vigor dessa área temática. Destacam-se as análises dos modos de administração de conflitos em espaços variados de produção da justiça, no escopo das interpretações em torno da cultura e da tradição jurídica brasileira.


A dimensão dos processos de reconhecimento e as relações entre o direito legal e as ofensas morais são também um eixo importante de debate, perpassando vários artigos. De certo modo transversalmente aos textos do livro estão as dinâmicas de gênero, geração, classe e cor que marcam os processos de distribuição da justiça no Brasil e que, como especificam os organizadores na introdução da coletânea, delimitam um conceito de igualdade jurídica cuja base é a desigualdade.


Essa contribuição é particularmente importante para o cenário político contemporâneo brasileiro em que, após mais de 30 anos de restauração democrática, as práticas, modos de funcionamento e sentidos da "democracia" ainda permanecem como desafios interpretativos às pesquisadoras e aos pesquisadores. Sobretudo, impõem engajamentos críticos em um cenário heterogêneo de perspectivas e valores no qual as categorias de "justiça", "reconhecimento" e "criminalidade" -que dão nome à coletânea -se encontram em permanente disputa. Ao focalizar prioritariamente os significados evocados pelos atores sociais na singularidade de suas inserções socioculturais, assim como na compreensão da dinâmica de suas práticas e relacionamentos, perspectivas normalmente menos audíveis são trazidas à tona, como por exemplo, aquelas dos jovens de periferia, das mulheres presas, dos povos indígenas, dos moradores de comunidades etc. Outros processos, como aqueles referentes à militarização da segurança, à seletividade do sistema penal e à conformação de reformas judiciais, são analisados à luz de suas dimensões históricas, políticas e socioculturais, revelando o seu caráter arbitrário e, sobretudo, político.


É neste sentido que considero que as análises que compõem esta coletânea, ao se debruçarem na compreensão de universos tão diversos -Juizados Especiais Criminais, sistema socioeducativo, Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), Primeiro Comando da Capital (PCC), sistema penal, Rede de Proteção à Mulher, Marcha das Mulheres Negras, processos de reconhecimento, dinâmicas de criminalização de povos tradicionais, entre outros -contribuem não apenas para a vitalidade do campo acadêmico da Antropologia do Direito, mas, sobremaneira, na expansão do sentido político desse campo e de suas relações com outros espaços de conhecimento. É válido mencionar nesta direção que os artigos aqui presentes provêm não apenas da área da Antropologia, mas também de parcerias disciplinares no âmbito nacional e internacional que essa área necessariamente tem que realizar para potencializar suas ferramentas analíticas e se pôr à prova, no diálogo nem sempre fácil com outras áreas de conhecimento. Sem dúvida, o trabalho de constitui-12 ção de redes de relações e de debates mostra, nesta coletânea, a sua potência, ao afirmar a contrariedade às fáceis homogeneizações tão costumeiras no universo jurídico. Extrapolando limites disciplinares, a obra abre novas "janelas" não apenas para compreender e interpretar a sociedade brasileira, mas também para renovar -e desafiar -a própria Antropologia.


REFERÊNCIA.


KANT DE LIMA, Roberto. Por uma Antropologia do Direito no Brasil. In: FALCÃO, Joaquim. Pesquisa Científica e iNTroDUÇÃo Ensaios sobre justiça, reconhecimento e criminalidade reúne textos essenciais e amplia o campo de estudo sobre Antropologia do Direito, particularmente no contexto brasileiro. A partir de diferentes focos e perspectivas teóricas, os artigos e ensaios aqui reunidos buscam, ainda que nas entrelinhas, pensar sobre as relações entre "fatos sociais" e "leis" e apreender os sentidos de justiça a partir das categorias acionadas pelos próprios atores contextualmente. Evidenciam como os fatos jurídicos devem ser interpretados como representações acionadas em contextos específicos e para atores particulares, tal como propõe .


Os artigos reunidos, em grande medida, privilegiam o trabalho de campo e, entre outras questões, apresentam dados que permitem pensar sobre temas relevantes em termos sociais e desafiantes academicamente. Além de reflexões críticas acerca de procedimentos, normativas legais e práticas sociais, o foco se direciona para dispositivos disciplinares de poder e saber, seja no âmbito da produção do conhecimento, das prisões, dos centros de aplicação de medidas socioeducativas ou na configuração de políticas de segurança pública, apresentando importantes questões para reflexão. No panorama traçado, revelam as ambiguidades, as tensões e as contradições que marcam os processos de distribuição de justiça no Brasil e delimitam um conceito de igualdade jurídica cuja base é a desigualdade.


Os textos dessa coletânea dão formas concretas a um debate extremamente atual. Como sabemos, questões concernentes à violência, à criminalidade e ao encarceramento massivo, por exemplo, estão 14 longe de se esgotar e demandam fôlego. Além de povoarem o senso comum e o cotidiano contemporâneo, novas conexões exigem estratégias teóricas renovadas e maior investimento etnográfico. Pode-se citar, por exemplo, o debate sobre a relação entre encarceramento, juventude e carreira criminal; entre mercado de "drogas" e encarceramento feminino; além de outras, quase infinitas, possibilidades de conexão e reflexão.


Por outro lado, os dados aqui reunidos permitem ir além da identificação dos processos de criminalização de determinados grupos. Afinal, mesmo que a grande maioria dos estudos apresentados mostre a situação de desigualdade de determinados grupos (como jovens favelados, presidiárias e presidiários, mulheres de presidiários, entre outros) e evidenciem processos de sujeição criminal, é possível perceber como esse é apenas um lado de uma realidade muito mais complexa.


Ressalte-se, aliás, que as relações entre justiça/desigualdade/punição/sofrimento são reafirmadas em diversos ensaios, assim como também evidenciadas práticas e visões estereotipadas sobre certos lugares (como a própria cidade, a favela ou a prisão), bem como são delimitados "grupos morais" que merecem maior "controle" por parte dos sistemas judiciário e de segurança pública, tais como: "as mulheres de bandido", "os usuários de crack", "os/as adolescente em conflito com a lei", "os/as presidiários(as)", "os membros do Primeiro Comando da Capital -PCC", "as prostitutas" e, até mesmo, "os índios que não são mais índios" por viverem na cidade e/ ou desafiarem os estereótipos sobre o que é "ser índio". A questão da desigualdade e da vulnerabilidade, portanto, continua sendo uma marca inexorável em alguns contextos (como favelas, cracolândias, prisões e centros socioeducativos para adolescentes em conflito com a lei). No entanto, essa não é a única chave explicativa.


Não há uma relação direta entre criminalidade e desigualdade social, cabendo compreender como os atores dessas práticas acionam outros sentidos para suas ações, entendendo a criminalidade também como parte de um projeto e resultado de escolhas de vida.


De modo geral, a criminalidade envolve teias de afetividade, bem como exige habilidades específicas, além de propor uma ênfase em certas emoções (como adrenalina e endorfina) e sentimentos . Em certos contextos, parece haver uma certa "positivação" dos atos criminais, que passam a ser interpretados como uma espécie de resposta a uma conjuntura de desigualdade e estão relacionados a um desejo de superação dessa relação. Nesse processo, velhas práticas podem ganhar novas significações e ser interpretadas como metáforas através do qual determinados grupos/indivíduos pensam a justiça, acionam certos conceitos (como dignidade e respeito) e dão sentido às suas "carreiras", visões e ações no mundo.


Um grupo de artigos se propõe a uma análise de procedimentos através do quais os conflitos são administrados formalmente, seja no âmbito das Varas Especializadas de Justiça ou nos Juizados Especiais Criminais. Além de abordarem a ideia de mediação e conciliação, tratam dos desafios da equidade em termos mais amplos, buscando apreender os significados de justiça para os autores envolvidos nessas ações. Evidenciam a relação entre a dimensão legal e moral dos direitos, tal como propõe , bem como per- Esperamos, por fim, que esta coletânea seja uma entre muitas e contribua para a consolidação de uma ampla rede de pesquisadores engajados e interessados em pensar na relação entre justiça, reconhecimento e criminalidade. Para os futuros leitores, esperamos que a leitura seja proveitosa e instigante; que seja de capaz de contribuir para uma análise mais densa da realidade social e das questões que se apresentam -que, por sua própria complexidade, demandam continuidade e novos desdobramentos.


Parte 1 -Desafios da Equidade.


As três dimensões do Direito e a (des) consideração pelos delitos morais em um Juizado Especial criminal de Natal Jairo de Souza Moura 1.


breve introdução.


Os Juizados Especiais surgem historicamente como uma resposta aos anseios de várias classes de intelectuais no que diz respeito aos problemas de gestão do Judiciário. Em parte, porque os processos brasileiros são extremamente burocratizados, em parte porque o próprio Judiciário encontra dificuldades técnicas e orçamentárias para dar conta da demanda processual, que, por vezes, estipula em anos a resposta a qualquer litígio.


A Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais cíveis e criminais, trouxe algumas formas consideradas "novas" de resolução de conflitos: a conciliação e a transação, junto com a mediação, são alternativas que buscam salientar o diálogo entre as partes, no ímpeto de resguardar as suas respectivas características. Não raramente, essas três figuras causam confusão por serem demasiadamente parecidas, mas há diferenças fundamentais entre elas.


Explicando em poucas palavras, a conciliação é um acordo entre duas partes, com a presença e a atuação de um conciliador, que dá fim ao conflito. A transação é uma proposta de prestação alternativa do Ministério Público para a parte acusada, que, se cumprida, dá fim ao processo. Já a mediação se assemelha bastante à conciliação, mas difere quanto ao grau de influência que o terceiro, agora chamado mediador, tem sobre as partes que tentam dialogar.


Nesse contexto de medidas alternativas nos juizados especiais, há duas grandes correntes de interpretação : a primeira delas encara a criação dos Juizados como uma possibilidade de democratização do acesso à Justiça das camadas mais pobres, enquanto a outra enxerga uma flexibilização de direitos adquiridos quando equipara partes assimétricas no diálogo.


A primeira corrente salienta que a própria facilidade de acessar o Judiciário permite que as camadas que se beneficiam desse acesso tenham uma oportunidade ético-pedagógica para a formação de uma nova cultura cívica. Para os entusiastas dessa hipótese, a própria expansão do direito às grandes massas tem por consequência um fortalecimento da democracia . É um pensamento que está de acordo com a abertura ao diálogo nos Juizados Especiais: se as partes trabalham juntas para uma melhor solução de seu conflito, ambas saem ganhando na agregação e na solidarização social.


A segunda corrente não chega a enfrentar os pontos positivos da primeira, mas aponta para as possibilidades de apropriação pelo Estado dos ideais dos Juizados, resultando em uma negação de direitos recém-conquistados às camadas menos favorecidas -econômica, social ou culturalmente -, além de um maior controle por parte do Estado nas demandas criminais. No Brasil, o agravante dessa corrente é que os movimentos de ampliação da participação popular vêm prioritariamente da intelligentsia, geralmente associações de magistrados e outros ramos do Direito, o que pode apontar para a simples manutenção de poder de certas categorias sobre as novas formas processuais.


A partir dessa discussão mais ampla, meu objeto de pesquisa era saber se, na prática, era possível verificar a prevalência de uma ou de outra corrente. Para tanto, realizei uma pesquisa de campo junto a um Juizado Especial Criminal -JECRIM de Natal, vendo em primeira mão as audiências preliminares, nas quais as soluções alternativas são negociadas para pôr fim ao litígio ou, em caso de negociação frustrada, para segui-lo até a fase de sentença.


Ao analisar as audiências, alguns dados sensíveis foram surgindo e, neste artigo, estão organizados mais ou menos de forma temática nos tópicos posteriores. Nesses tópicos, tento traçar linhas mais gerais a partir de casos concretos, em estruturas mais ou menos habituais para lidar com os fatos em questão.


Da parte da prestação judiciária estatal, a audiência preliminar conta com uma conciliadora específica, uma promotora de justiça e um defensor público. A juíza não participa, via de regra, das audiências, e os técnicos administrativos cuidam da parte operacional, mas fora do ambiente conciliatório. O JECRIM se localiza na Zona Sul da cidade, reconhecidamente a mais próspera em termos econômicos.


Embora não pareça ser determinante no que se refere aos tipos de crimes mais recorrentes, é possível traçar um direcionamento no que se refere às pessoas, sejam físicas ou jurídicas.


Obviamente, há várias "Zonas Sul" em Natal. Ao mesmo tempo em que as grandes atrações turísticas da cidade convivem com o parque hoteleiro da Via Costeira, há regiões mais pobres que sofrem com os mesmos problemas de qualquer aglomeração urbana desordenada. Na mesma medida em que há empresários participando das 24 audiências, há desempregados que são autuados por fazerem pequenos "bicos" sem a devida licença da prefeitura. Em outras palavras, a localização é um dado importante, mas não determinante para o tipo de indivíduo que frequenta o JECRIM.


os delitos morais e as dimensões de análise do Direito.


Os autores mais estudados nos cursos de Direito tendem a reconhecer ao menos duas de suas dimensões: a do Direito enquanto ordenamento jurídico, ou seja, um sistema de regras e procedimentos com fins próprios, que regem o Estado e a vida em sociedade; e a dos interesses, uma dimensão subjetiva que justifica o acesso ao Poder Judiciário pelo particular -uma compensação pecuniária, uma condenação moral, uma punição etc.


Por outro lado, autores da Antropologia, aqui representados por , tendem a ter uma visão mais ampla sobre o fenômeno jurídico. Para Geertz, o Direito é um saber local e, como tal, é parte de um sistema simbólico que permeia a própria cultura, refletindo e principalmente constituindo a vida social .


Estudar diferentes sistemas jurídicos, portanto, seria um exercício de tradução cultural, não muito diferente do que é feito com as diferentes categorias do estudo antropológico. Essas sensibilidades jurídicas, como ele as definiu, usam -ao mesmo tempo em que constituem -fatores sociais para diferenciar o discurso normal do anormal , que podem ser aqui entendidos como o nosso padrão legal ou ilegal.


Luís , nesse sentido, inova ao adicionar àquelas duas primeiras uma terceira dimensão do Direito, qual seja, a dimensão moral ou do reconhecimento. É com essa dimensão que analisa os dados que surgiram enquanto estudava os espaços de pequenas causas dos Estados Unidos. Muitas vezes, as partes 25 se recusavam a fazer acordos porque se sentiam lesionadas em um âmbito moral que as leis e os seus intérpretes raras vezes conseguiam entender. Nas suas palavras ):


Enquanto as duas primeiras dimensões são diretamente enfrentadas pelo Judiciário (por exemplo, desrespeito a direitos positivos e prejuízos causados como consequência), a última remete a um direito de cidadania, associado a concepções de dignidade e de igualdade no mundo cívico, e não encontra respaldo específico em nossos tribunais. O reconhecimento, ou o direito de ser tratado com respeito e consideração, é o aspecto que melhor expressaria a dimensão moral dos direitos, e as demandas a ele associadas traduzem (grande) insatisfação com a qualidade do elo ou relação entre as partes, vivida como uma imposição do agressor e sofrida como um ato de desonra ou de humilhação. Nos casos em que a reparação a esse tipo de ofensa é suficientemente embutida nas deliberações judiciais sobre as outras duas dimensões temáticas dos conflitos (direitos e interesses), os tribunais promovem um desfecho satisfatório para as respectivas causas. Entretanto, nas causas em que este tipo de ofensa -que tenho caracterizado como insulto moral -ganha precedência ou certa autonomia nos processos não há reparação adequada e o desfecho judicial é frequentemente insatisfatório do ponto de vista das partes.


Com base nessa ideia, podemos analisar a atuação da conciliadora, principalmente, e entender por que nem sempre é possível chegar a um acordo conciliatório que satisfaça as partes. Em alguns casos, não importa o que se ofereça, se prestações materiais ou imateriais, o ofendido não se contentará e buscará a condenação penal como forma de punição ou de vingança. Podemos entender como uma tentativa de impingir sofrimento para compensar a vítima em sua dimensão moral, a fim de pagar pela agressão que sofreu na sua esfera de reconhecimento, por não ter sido tratado com a dignidade que se esperava do relacionamento ou do contexto situacional. Também nesse sentido, Axel , analisando Hegel e Mead, dentre outros autores, chega a três formas de reconhecimento recíproco: dedicação emotiva (relações amorosas e amizades), reconhecimento jurídico e assentimento solidário. Segundo Honneth, essas três formas são melhor encontradas em esferas mais ou menos delimitadas da vida humana. Para Hegel, família, Estado e sociedade civil. Para Mead, relações primárias, relações jurídicas e esfera do trabalho. Mesmo usando conceitos diferentes, a ideia é de que, a depender do tipo de relacionamento, é esperado determinado tipo de reconhecimento. Das duas análises, vê-se que a diferença está entre a abstração legal do Estado-Punidor e das medidas compensatórias que a população em geral espera desse Estado. Apesar de parecer uma distinção clara, ela é meramente operacional, e pude perceber isso durante um fato atípico. Durante o período de campo, a promotora que regularmente atua no JECRIM passou a figurar como vítima de uma demanda judicial: uma senhora causara danos em seu carro enquanto este estava estacionado no espaço do JECRIM.


As duas combinaram que a promotora faria o orçamento de reparação dos danos e repassaria os valores para a senhora, que arcaria com os custos. No entanto, a promotora se surpreendeu quando tentou contatar a senhora pelo telefone e pelo endereço eletrônico fornecidos e não obteve respostas. Com isso, a promotora pediu o ajuizamento de uma ação por crime de dano (Art. 163 do Código Penal) e tentou intimar judicialmente a senhora com os contatos que já tinha. No dia da audiência preliminar, a senhora não compareceu e a falta da formalidade de intimação por oficial de justiça deu azo para a parte não comparecer sem maiores prejuízos para si.


Foi nesse momento que a promotora, mesmo acostumada a interpretar e aplicar sensos de justiça de acordo com os procedimentos estatais, demonstrou a indignação de um "leigo", como tantos outros casos que pude observar. Enquanto preparava um ofício para que a empresa de telefonia fornecesse os dados cadastrais para encontrar o endereço correto da senhora, a promotora conversava visivelmente irritada com a conciliadora e uma segunda promotora, que precisou atuar no caso porque a primeira não poderia figurar em causa própria: Essa duração média de vinte minutos, em regra, em geral, atende bem à finalidade da audiência. Entretanto, existem algumas que a gente vê a necessidade de estender mais um pouco, e quando a gente vê que há possibilidade de acordo, a gente faz isso sem uma preocupação maior, porque a gente sabe que nas outras a gente vai equilibrar. Quando acontece isso e a gente atrasa a outra audiência, a gente já procura pedir desculpa e esclarecer que a audiência anterior atrasou em virtude de uma demora, porque a gente sabe que a parte está lá fora ansiosa, esperando. Mas a gente sabe que a gente não pode deixar passar uma oportunidade de acordo, uma possibilidade de resolução de um problema em razão do relógio. Como em geral o tempo é adequado -a gente utiliza até bem menos tempo -a gente consegue equilibrar isso direitinho, faz a compensação, né?


Por mais que o tempo não seja seguido à risca, há certa pressão para que o atraso não atrapalhe as outras audiências. Por vezes, advogados ou partes abriram a porta da sala de audiência para saber se suas audiências ainda aconteceriam, dado o atraso relativo à hora em pauta. Enquanto me encontrava no corredor, um advogado perguntou, com relativa fúria, se sua audiência ainda aconteceria, alegando que já era a segunda vez que uma audiência de seus clientes atrasara naquele JECRIM e que considerava isso um desrespeito.


A pauta cheia e o número elevado de demandas, como as que vimos acima, apontam para o que Rifiotis O segundo aspecto é que, segundo o autor, "ainda que [a judiciarização] faça parte da dinâmica das sociedades democráticas, tal processo pode, inclusive, limitar ou ameaçar a cidadania e a democracia, transferindo e canalizando no e para o Estado as lutas sociais" . Isso porque o Direito opera em uma lógica própria que não pode ser adotada por movimentos sociais sem a devida reflexão prévia.


Apesar de uma abordagem mais condizente com a terceira dimensão orientar a levar em consideração os pequenos insultos como algo relevante, é impossível deixar de notar, do ponto de vista prático, que seria impossível dar conta de todas as pequenas interações que formam uma espiral de conflito (RUBIN; PRUITT; .


Pior ainda se todas essas pequenas interações configurarem crimes, quando poderiam ser resolvidos com reparações cíveis.


As espirais podem ser uma reação de retaliação, quando o agredido responde ao agressor, ou de defesa, quando o mecanismo de reação por medo do agredido parece uma ameaça ao agressor, que aumenta a escala da agressão. Em geral, os pequenos insultos morais não chamam a atenção do legislador penal, reservado a casos em que a sociedade como um todo teria algo a perder com a impunidade das condutas.


Essa espiral também pode nos ajudar a pensar por que os jurisdicionados esperam uma reação tão violenta do Estado. Obviamente, a imagem geral de um Estado violento, representado pela truculência da força policial e das precárias condições prisionais, contribui para a expectativa de respostas cruéis até mesmo para pequenos delitos.


Mesmo assim, parece haver algo mais, algo que justifique um motivo anterior a essa busca por vingança.


A partir das observações, percebi que há um grau de frustração nas partes. Em um primeiro momento, porque a resposta do Judi- 2 Preceito constitucional que garante o status de inocente ao acusado até que o devido processo legal seja concluído. Está presente no Art. 5º, LVII, da Constituição Federal, com a seguinte redação: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 3 Preceito constitucional que garante a fundamentação de todos os atos judiciais. Serve para que o indivíduo entenda e ataque, se possível, os argumentos de quem o julga. Está presente no Art. 93, IX, com a seguinte redação: "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação" [grifo nosso].


Outra discussão é sobre a natureza jurídica 4 da sentença do juiz na transação penal. Ora, se o Ministério Público decide quais são todos os pressupostos da transação e o acusado os aceita, comprometendo--se a cumpri-los, o que restaria ao juiz? Assim, entende-se que a sentença é meramente homologatória, isto é, apenas dá fé ao acordado . Se o acusado deve cumprir certas medidas que se assemelham às punitivas, que vantagens, então, teria em aceitá-la? Uma das principais vantagens está prevista no próprio instituto (Art. 76, § 6º):


A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.


Em outras palavras, o acusado que aceitar a proposta de transação penal não será formalmente considerado culpado, para os efeitos da No Direito, "natureza jurídica" é a ontologia da norma. Ela determina que tipo de efeitos a norma trará e aponta por quais caminhos é possível confirmá-la ou revogá-la. Diferente da pesquisa de Almeida, no entanto, a promotora não seguiu características sociofinanceiras ou culturais para decidir sobre as penas aplicadas . Além daquelas padronizadas, como vimos, o critério econômico só foi usado para diminuir o valor total em um caso extremo, sendo o salário-mínimo oferecido para todos os processos que eu acompanhei. Nos casos em que o valor foi dobrado, também foi dobrada a oferta de serviços comunitários para 60 horas em dois meses.


Por outro lado, os efeitos retributivos das medidas foram levados em consideração . Assim como vimos no caso da violência contra a mulher e dos colaboradores com o jogo ilegal, a promotora usou critérios morais pessoais para majorar a pena ofertada, como forma de punir com maior rigor os comportamentos julgados mais reprováveis. Parecia que dar a estes casos o mesmo tratamento dos outros seria oferecer um "benefício" ao acusado.


Essa natureza impositiva da transação penal vai contra os princípios compositivos do JECRIM e o recurso poderia ser usado de uma forma mais específica em determinados casos. A própria promotora fez isso, quando sugeriu que um dentista acusado de calúnia contra um segurança de casa noturna cumprisse as horas de serviço comunitário em um local de crianças carentes que necessitavam de serviço dentário.


Na maioria dos casos, sequer perguntaram aos acusados que profissão exerciam e, talvez por isso, quase todos optaram pelo pagamento. Quando falavam sobre a prestação de serviço comunitário, sempre falavam em escolas, hospitais ou postos de saúde como locais de atuação, mas nunca detalhavam que tipo de serviço poderia ser prestado. Quando tentavam dar mais informações, parecia sempre que o serviço seria relacionado à limpeza do local. A hipótese com que trabalho é que a promotora não tem a formação específica para o ambiente compositivo e esses pequenos detalhes passam despercebidos aos seus olhos. Também é possível que ela realmente entenda que simplesmente oferecer a transação penal seja suficiente para cumprir o seu papel. Essa segunda hipótese tem alguns pontos a seu favor.


Em diversas audiências, principalmente quando a promotora titular entrou de férias e foi "substituída" por uma promotora de outra comarca, distante cerca de 100 km de Natal, a oferta fora deixada por escrito. O Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de que a transação penal em audiência sem a presença do Ministério Público é nula . Mesmo assim, para todos os efeitos, aquela proposta por escrito é considerada "presença" do Ministério Público.


Se tal explicação é suficiente para o formalismo jurídico, não ajuda na consecução dos propósitos do JECRIM. Nas ausências da promotora, a conciliadora tomou as vezes de negociadora, mesmo que não pudessem transigir sem a autorização expressa da promotora "presente". A negociação era somente no sentido de convencer o acusado de que a transação era a melhor saída para ele. Em primeiro lugar, porque a representação social de usuários de drogas já envolve certo estigma, para usar a categoria ):


O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso. já viu casos aqui em as pessoas são pegas de novo, aí você nunca sabe, né? Dessa vez, você veio como usuário, mas pode ser que a polícia outra vez entenda que você é traficante e a gente já viu casos que as pessoas ficam presas até conseguir provar que não eram.


Apesar de ter um tom de "ameaça", a fala do defensor pode ser melhor entendida como uma quebra de reciprocidade por parte do acusado, que rejeitou uma oferta que só tinha por objetivo o "seu bem" -de certa forma, como um pai aconselhando um filho, apesar É por essa impressão que gosto de pensar que o JECRIM estudado aplica a solução negociada -seja ela a mediação, a conciliação ou mesmo a transação penal -à la Estado, ou seja, toma para si as categorias que surgiram como "soluções alternativas" e as aplica de acordo com a lógica de legitimação estatal, que passa desde a ideia de neutralidade dos terceiros, até a forma de escolha de quem terá a parcela de poder para aplicar sobre os indivíduos.


Nessa lógica de legitimidade, por exemplo, os escolhidos para negociar devem ter formação acadêmica condizente -mesmo que não obrigatória por lei -e também passar por rigorosos e longos passos de treinamento. Nesse treinamento, busca-se padronizar a atuação dos legitimados conforme conhecimento reconhecido por profissionais detentores do saber acadêmico: no caso específico do JECRIM, juristas e psicólogos, principalmente.


É também por essa padronização que as ofertas de negociação, quando partem das figuras estatais, seguem uma lógica de repetição -quando foram aumentadas ou diminuídas, também seguiram uma lógica e foram aplicadas igualmente a todos os que partilhavam das características. Seria "injusto" considerar punições diferentes para pessoas em situações parecidas, por mais que as negociações pudessem levar a medidas diferentes.


Mesmo sem um norte legal para o mínimo e o máximo das "penas", como ocorre no Código Penal, dentre outros diplomas crimi-51 nais, a aplicação parecia seguir os critérios de verificação de "intensidade". Parecia haver uma reprovação moral maior a certos crimes, como os portadores de drogas para consumo ou quando chegaram os envolvidos com bingos clandestinos.


Essa reprovação moral parecia encontrar respaldo em uma reprovação social partilhada pelo senso comum, mesmo que os atos fossem apenas contravenções, no caso dos bingos, ou estivessem em proces- Foi o que defendeu ao afirmar que "não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua, ao mesmo tempo, relações de poder"


Novas realidades, novas necessidades.


Desde Rusche e Kirchheimer 2 , o caráter político dos sistemas punitivos e a sua relação com os sistemas de produção em que estão inseridos vem sendo evidenciados. Entretanto, apenas em Foucault , é que se poderá identificar o que ele denominou de "economia política dos corpos", um investimento político com vistas à sua utilização econômica. Estes corpos, atravessados por relações de poder, foram se constituindo como um novo campo de saber de modo que as práticas penais passaram a ser vistas muito mais como um tópico de uma "anatomia política" do que uma mera consequência do 2 Com a publicação do livro Punishment and social structure em 1939. 59 desenvolvimento das "teorias jurídicas". Assim, percebeu-se que as relações de poder e saber se retroalimentavam de modo que as teorias jurídicas, como campo de saber, e, consequentemente, os sistemas punitivos delas decorrentes, não poderiam ser compreendidas sem que se considerassem as relações de poder que as permeavam.


O que , é que, ao contrário do discurso ingênuo de que a diminuição dos suplícios como prática punitiva no Estado moderno teria sido uma decorrência de uma maior sensibilização por parte da população, esta teria se dado em função de uma necessidade de adequar os mecanismos de punição a uma nova realidade social. Surgia uma necessidade de vigilância que fosse atenta não apenas ao indivíduo delituoso, mas a todo o corpo social, exigindo uma política de controle mais eficaz e menos custosa econômica e politicamente. Não se tratava, portanto, de "punir menos", mas de "punir melhor".


O que isso acabou demonstrando foi que, cada vez que se instaura um novo modelo de organização social, torna-se necessário, também, uma atualização das formas de punir do Estado, bem como das leis que lhe dão suporte. A partir desse momento ficava claro que as elaborações legislativas, enquanto decorrência e fundamento de determinados campos de saber, não são meras formulações despretensiosas e desinteressadas, mas resultado de um intenso processo que envolve a atuação de incontáveis dispositivos de poder, alguns dos quais buscaremos identificar no decorrer deste artigo.


Apesar do exposto, grande parte dos princípios decorrentes do Iluminismo ainda permeiam as legislações ocidentais até os dias de hoje de modo que, para o discurso jurídico oficial, a lei continua sendo percebida como uma determinação neutra e imparcial. Isso fica muito evidente quando se observa que, muitas vezes, atribui-se à própria lei uma ideia de justiça, como se esta, em qualquer circuns-tância, representasse a manifestação do correto, da retidão. É evidente que, no Brasil, a queixa de que "o problema é a lei" ainda é comum, mas, em regra, ela parece estar imbuída de um manto de autoridade, assumindo uma posição hierárquica tal que a coloca acima e à frente de tudo e de todos. Desenvolve-se, então, no imaginário social, a falsa ideia de que a lei positivada, apesar de artificialmente criada e, muitas vezes, arraigada de conceitos tendenciosos, determina aquilo que se passa a assumir como verdade universal. com o advento das novas tecnologias de produção, prescinde-se dos "corpos dóceis" aos quais se referia . Isso porque o trabalho que outrora era realizado, exclusivamente, por meio da força física, ao ser automatizado, teria levado enormes contingentes humanos a se tornarem, de uma hora para outra, "corpos supérfluos".


Assim, restariam absolutamente disfuncionais ao sistema produtivo moderno porque não suficientemente qualificados para operar essas novas tecnologias ou porque sua força de trabalho tornou-se, de fato, inútil. É evidente que o argumento dos autores não problematiza a reapropriação que se deu a essa força posto que a mão de obra barata continua sendo explorada. Além disso, segundo esta lógica, a "economia dos corpos" pensada por , restaria reduzida a um viés meramente economicista, que acreditamos não ter sido a intenção original do autor. Toda teoria é provisória, acidental, dependente de um estado de desenvolvimento da pesquisa que aceita seus limites, seu inacabado, sua parcialidade, formulando conceitos que clarificam os dados -organizando-os, explicitando suas inter-relações, desenvolvendo implicações -mas que, em seguida são revistos, reformulados, substituídos a partir de um novo material trabalhado ).


Foucault, portanto, não imprimia às suas conclusões um status de verdade absoluta e inalterável, mas, ao contrário, afirmava a dinamicidade social e a sua influência sobre aquelas. Assim, o que se busca a partir desse estudo, muito mais do que utilizar suas conclusões, é reproduzir suas perguntas com o fim de encontrar novas respostas para novas realidades.


Neste sentido, a crítica exposta importa para pensar que estamos vivendo uma nova realidade, o que modificou a lógica interna dos mecanismos de punição, fato que precisa ser ponderado para que se possa alcançar uma compreensão consistente sobre o que está por trás dessa mudança e dos efeitos que ela tem gerado.


Na economia de mercado, alguns indivíduos passam a ser identificados como consumidores falhos que, segundo , constituem justamente o público preferencial do sistema penal 3 . Para estes, então, só restaria a segregação, seja pela via da marginalização social e espacial (em favelas e bairros periféricos) seja por meio do encarceramento ou da eliminação pura e simples, a partir da intervenção violenta do aparato policial.


Em sentido semelhante, Assim, se seguirmos essa premissa veremos que aqueles que são falhos tanto como produtores quanto como consumidores, tornam--se muito mais úteis como afirmadores da lógica punitiva do que como mantenedores da lógica de mercado. O fato é que a típica demonização do "sujeito criminoso", nesse contexto, acaba se agravando de modo que ele passa a ser encarado como a personificação do mal, a anomalia social a ser erradicada, o responsável por todos os problemas enfrentados pela sociedade, como identificado por . Assim, nas vistas da população, ele passa a assumir um papel de "inimigo social", portador de uma "essência criminosa".


A construção social do inimigo.


Note-se que, nessa lógica, o crime se distancia da ideia de ente jurídico abstrato e passa a ser localizado a partir da figura do "criminoso", que se transforma em uma espécie de "tipo identitário" predeterminado que, essencializado neste ato, não existe para além dele.


Fabrica-se, assim, a partir, também, do incentivo da mídia, esse ser 4 Isso porque é fundamental que se diferencie criminalidade (que se refere ao cometimento de crimes) de violência (palavra de caráter polissêmico e cuja percepção é imanentemente subjetiva) bem como da noção de violência urbana que, como afirma , é uma representação social que ajuda a descrever e organizar o sentido das práticas legalmente definidas como "crimes comuns violentos". dotado de uma moralidade desviada que, por ter rompido com as leis do "contrato social", não merece sequer ser reconhecido pelo Estado enquanto indivíduo.


Esse sujeito, destituído de sua condição de humanidade, é colocado em posição diametralmente oposta à sociedade, ente genérico e abstrato a ser protegido daquele que ameaça romper suas regras morais, o que legitima essa caça desenfreada aos desviantes degenerados portadores de perigo. Essa ideia fica muito clara quando pensamos, por exemplo, nas chamadas funções "R" da pena: ressocializar, reintegrar, reinserir etc. Afinal, quando é preciso "ressocializar" um indivíduo significa que é necessário que este seja reconduzido à so- . São . 3 ; Jocenir ressalta que a "sujeição criminal", processo que implica tornar-se "bandido", pressupõe, além de uma trajetória criminável, designações sociais e autorrepresentações específicas.


14 Segundo , crime é um "conceito nativo utilizado não só para fazer referência aos atores que praticam crimes, mas também a uma ética e uma conduta prescrita".


A apropriação do elemento criminoso como constitutivo da identidade dessas pessoas fica também evidenciada pelo costume de os presos, em unidades prisionais de São Paulo, referirem-se uns aos outros como ladrões, independentemente dos crimes pelos quais são acusados . A impessoalidade dominante no exercício dessas funções não permite classificá-las como posições de comando sem deturpar seu sentido; trata-se, na realidade, de "posições políticas protuberantes nas relações entre os próprios presos e desses com a administração prisional" . A maior parte dessas funções já existia antes do surgimento do PCC, mas foi seu estatuto da igualdade que conferiu a elas seu eminente caráter não individualizado.


Dentro da cadeia, os postos de piloto 22 , faxina e torre 23 não constituem uma forma de promoção ou atributo definitivo dentro da estrutura prisional ou do Comando, pois são ocupados de forma transitória e, por vezes, anônima, o que confere a eles uma "independência em relação a seus ocupantes, isto é, a permanência das posições frente às constantes mudanças de quem as ocupa" .


A transitoriedade deve-se, em grande parte, às constantes transferências de presos entre cadeias. Um detento que é piloto em uma cadeia, uma vez transferido, deixa de sê-lo na outra.


Ocupar um cargo de responsa não se assemelha em nada a ocupar um posto de prestígio ou privilégio, mas, acima de tudo, um lugar de muita responsabilidade, já que ele -e, em última instância, todo irmão -representa, em cada ato e decisão, o próprio PCC. Os responsas tampouco são encarregados de dar ordens ou impor regras.


Mesmo quando são passados salves (ver nota 39), estes não são vistos pelos seus destinatários como ordens provenientes de pessoas hie-22 Pilotos são acionados para problemas que envolvem grande parte ou toda a população prisional, como fornecimento de comida, água, horário de abertura e fechamento das celas, queixas sobre a revista íntima das visitas, distribuição de remédios, entre outros. 23 "As torres são as posições políticas das quais partem as diretrizes, comunicados e recomendações do Partido para todas as suas unidades, os chamados salves"


Uma nova concepção de igualdade.


Pode-se dizer que o PCC é o reflexo de um processo histórico de embates de poder e resistências: "c'est la lutte, le combat, le résultat du combat" . A força e a extensão adquiridas por essa organização tornaram possível a produção local de uma peculiar estrutura social, de uma determinada sensibilidade jurídica e de subjetividades singulares . De fato, as relações de poder produzem não apenas dominação e subjugação, mas também discursos e práticas sociais que tecem concepções do "self" e da verdade As instituições militares podem ser caracterizadas como instituições totais, desde que não façamos uso muito estrito do termo. Elas referem-se a um significativo fechamento em relação ao ambiente externo, processam mediante tensão entre mundo doméstico e institucional e entre o mundo do interno e da equipe dirigente. Além disto, o "novato", ao ingressar na instituição, passa a sofrer "uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta pela progressiva mudança que ocorre nas crenças que tem a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele" ao "bandido", que pode ser chamado de "bandidinho", "bandido" ou "bandidão". A diferença de classificação nesses termos varia de acordo com o crime praticado.


Ser "bandido", nesse contexto, dá ao indivíduo um status de respeito perante o grupo local que garante "vista grossa" 5 dos demais membros, vantagens nos negócios e uma qualidade de vida muitas vezes superior à dos outros moradores considerados "trabalhadores" 6 .


Por último, é importante destacar que na visão do observador externo, enquanto morador de bairro mais elitizado da cidade, todos aqueles que residem nas comunidades mais pobres da cidade (tidas em inúmeros tipos de discurso como "zonas de periculosidade"), se inserem na classificação do tipo suspeito e são todos bandidos em potencial.


Ainda que exposto de forma resumida, tentei apresentar como se construiu o perfil de criminoso no Brasil (através de um discurso científico, religioso e político) e como ele se associou ao termo "bandido", que é utilizado cotidianamente pelo senso comum. Não se deve, contudo, pensar em uma ideia homogênea e uniforme para tal termo, pois como foi demostrado há pouco, ele pode vir a ser ressignificado de acordo com o contexto, como também será demonstrado na análise do termo "bandida" e os significados aos quais se vincula.


A "bandida"


Em um primeiro momento examinei a origem de uma "identidade bandida" na qual alguns tipos estereotipados da sociedade brasileira foram encaixados como criminosos em potencial. Entretanto, tal identidade é masculinizada e referente a uma representação social do "bandido" enquanto homem contraventor das leis e costumes, mas quando se fala de mulheres "bandidas", o primeiro significado em mente é bem diferente. A "identidade bandida" atribuída à mulher, Se o "bandido", desde sua etimologia, invoca algum tipo de banimento em relação à sociedade, para ampla parcela dessa última, a mulher que a ele se associa estaria em uma situação ainda mais lamentável e digna de pena, pois tem o seu "contágio" pelo companheiro atribuído a algum tipo de descontrole pessoal, como se o amor sentido por um bandido só pudesse ser consequência de alguma doença mental ou semelhante 13 . Desta forma, seria possível ponderar que a "mulher de bandido" é vista com certa empatia, em comparação à "bandida", pois à primeira se atribui a ignorância ou a loucura, estados típicos associados ao amor e suas consequências biopsicossociais.


Contudo, termos como bandida e mulher de bandido, quando utilizados dentro de contextos específicos, podem obter significados locais que remetem ao oposto do seu uso pelo discurso da mídia ou dos agentes de segurança pública (como mostrei anteriormente com o termo bandido). A partir desses usos contextualizados, será possível investigar qual a possível motivação por trás do "amor bandido" e quais as implicações locais de se adquirir status como "bandido" ou "mulher de bandido". Para poder analisar tais categorias sociais, será necessário conhecer a história de três mulheres que foram ou são consideradas "mulher de bandido". Enquanto Michele dissertava para mim suas vivências no mundo do crime, ressaltei para ela que, em muitos momentos, escutei palavras dela que me causaram certo espanto diante do fato de estarmos tratando a respeito do tema da criminalidade, dentre elas:


Histórias de um "amor bandido"


"trabalho", "oportunidades", "profissão", "negócio", "vender", "consumidor" e "carreira". Palavras que são referência para um 233 discurso socialmente aceito no mundo lícito do trabalho. Depois de me escutar repetindo suas palavras, Michele riu, se mostrando orgulhosa, e afirmou se sentir realmente uma "profissional do crime".


Perguntou-me, entrando na linha de pensamento que eu havia sugerido, como seria seu currículo se ela quisesse conseguir um trabalho no crime e me propôs fazê-lo em uma folha que estava em cima de uma mesa próxima a nós. "Faz aí, doutora, quero ver se fica legal".


Michele deu a ideia de tentarmos escrever um "currículo" baseado em suas experiências de atividades no crime, fato que rendeu algumas risadas diante da utilização de termos técnicos para as práticas ilícitas que ela realizava, mas que também apontava alguns caminhos para se pensar nas motivações dessas atividades ilícitas para além da pura e simples necessidade financeira básica. Equipe qualificada e bem preparada para os serviços contratados.


Discrição e rapidez são seus predicados.


-Cadeia Ana Paula enfatiza, ainda, algumas ações por ela realizadas e certas características que acredita possuir, colocando-as como necessárias para uma mulher praticante de crimes, tais como: assaltar à mão 240 armada ("meter parada de cima"); ser corajosa e habilidosa ("ter sangue-frio e cabeça no lugar"); ter muito dinheiro ("que se rasgasse não ia fazer falta"); e fazer uso de drogas mais refinadas e caras como a cocaína ("só cheirava da boa") para não se comportar como uma viciada ("noiada" A exemplo dos rituais cotidianos descritos por Durkheim indivíduo", "um fato", ou "toda conduta humana que infringe a lei penal", uma "ação ou omissão antijurídica e culpável". Entretanto, com base nas análises das conversas com os seus interlocutores envolvidos com o crime, Marques sinaliza que o "ser ladrão", o "ser do crime" tem a ver com o dispor da própria caminhada, em conformidade com arranjos que revelam "respeito", "conduta", "atitude", "humildade", "cabulosidade" 5 e, principalmente, "ter proceder". de juicio (vinculación, juicio, explicación de sentencia, modificación de medida); revisión de expedientes y de videograbaciones; así como la observación de la interacción cotidiana entre los actores involucrados en estas instancias estatales.


Para os interlocutores de Marques.


Cabe mencionar que el trabajo de campo fue complementado a partir de la participación directa en tres actividades: en primer lugar en proyectos directamente relacionados con el tema de la juventud y la violencia; 4 en segundo lugar en un foro estatal donde se abordó la temática de la adolescencia en conflicto con la ley penal, en el cual las autoridades directamente involucradas en la materia expusieron sus principales puntos de vista; 5 y por último en un congreso internacional sobre el tema de la situación actual de la justicia para ado-4 "Estrategia de prevención de violencias entre las juventudes" y "Prevención social de la violencia en los planteles escolares" SUBSEMUN Los proyectos se desarrollaron en las localidades de Atongo, Alfajayucan y San Miguel Amazacala y mi participación en la coordinación fue de julio a diciembre de 2012. 5 El título del foro fue: "Retos socioculturales en torno a la justicia especializada en adolescentes en Querétaro", el cual fue conjuntamente coordinado con la Dra.Adriana Terven (Universidad Autónoma de Querétaro), y el Mtro. Francois Lartigue (CIESAS-DF). El evento se realizó los días 6 y 7 de marzo de 2013, en la ciudad de Querétaro y contó con la participación autoridades de las siguientes instituciones: En mi opinión esto plantea que estamos ante lo que define como un híbrido jurídico, 9 el cual está compuesto por dos "movimientos" que debemos tener presentes en todo momento: a) la sustitución del paradigma tutelar por el garantista; y b) el desplazamiento del modelo de justicia mixto por el acusatorio-oral. Ambas cuestiones pueden considerarse como constitutivas de la dimensión formal-estructural del fenómeno. Sin embargo, como ha sido planteado por diferentes autores, 10 el verdadero cambio requerido no puede constreñirse a tales aspectos, aunque también es cierto que sin ellos tampoco podrían darse. En este contexto me parece que una doctrinan de la protección integral. Hay que recordar que en diciembre de 2005, cuando se reformó el artículo 18 constitucional, ni el sistema acusatorio regía por completo los procesos penales en México ni la doctrina de la protección integral se habían afianzado en el ámbito de la atención a la infancia a pesar de que, desde 1990, era parte del ordenamiento jurídico. La reforma constitucional conjugó ambos aspectos y estableció un sistema de justicia especializado por las características de los sujetos a quienes se dirige, guiado precisamente por los principios de la Convención de los Derechos del Niño y los que rigen a los sistemas penales de corte acusatorio (VASCONCELOS 2012, p. 1-2). 9 Santos refiere a que son "entidades jurídicas o fenómenos que combinan distintos y con frecuencia contradictorios ordenamientos jurídicos o culturas, dando lugar a nuevas formas de significado y acción jurídica" . Mismos que de acuerdo con el autor, son producto del proceso de globalización jurídica, entendida ésta como procesos de transnacionalización e internalización de elementos jurídicos selectivos, desiguales, cargados de tensiones y contradicciones, los cuales son impuestos por países centrales a países periféricos por medio de la intervención de organismos financieros internacionales y diversas dependencias gubernamentales, así como ONG , y los de (2012); nos muestran las fuertes tensiones existentes en las prácticas judiciales relacionadas al tema de la infancia y la adolescencia, respecto a que reproducen la minorización como posición subalterna para dichos jóvenes y susfamilias; así como la manera en que se articulan las moralidades dominantes en el ejercicio judicial, perpetuando relaciones asimétricas sobre la base del "interés superior".


Por otra parte, el segundo "movimiento" constitutivo de la dimensión formal-estructural de la justicia especializada como híbrido jurídico, se refiere al hecho de que con la reforma en materia de adolescentes se introdujo el sistema acusatorio-oral, mismo que es un elemento externo a la tradición jurídica a la que pertenece México, como integrante de la familia romano germánica, y de la cual se desprende su tradición jurídica; es decir, el conjunto de actitudes profundamente arraigadas respecto a la ley y la función del derecho, así como al forma en que éste debe operar . 12.


En este sentido, me parece que la justicia especializada en adolescentes opera a partir de fuertes tensiones entre la lógica propia del modelo acusatorio-oral y aquella que forma parte del sistema mixto, la cual tiene relación directa con la cultura jurídica-profesional propia de nuestro país, la cual, de acuerdo a Santos, está relacionada a la formación, socialización, el asociacionismo y demás aspectos vinculados al Derecho . Hablo por tanto de la fuerte tensión y desavenencia entre las prácticas socioculturales del modelo mixto 13 y las que el modelo acusatorio-oral 14 trata de instaurar, lo que en las prácticas cotidianas en los juzgados especializados implica presiones y contradicciones ante la adopción de un esquema de juzgamiento completamente diferente de lo conocido. Todo ello se traduce en la práctica en tensiones entre los representantes del Estado, quienes fueron formados académicamente y han construido sus carreras profesionalmente en el modelo anterior.


La dimensión simbólica.


Ahora bien, en lo que se refiere a la segunda dimensión constitutiva de la justicia especializada para adolescentes, me parece que es importante destacar la importancia sociológica que ésta podría poseer como un verdadero espacio de encuentro entre el Estado y la 13 El cual se caracteriza por la concentración de funciones en una misma autoridad (el juez), quien tiene que investigar, acusar y juzgar, privilegia el uso del expediente, con base al cual el juez dicta sentencia, lo que lleva a que en la práctica todo aquello que no existe en el expediente no forma parte del caso. Por otra parte generalmente el juez delega responsabilidades al personal del juzgado; lo cual conduce a que incluso en la mayoría de los casos el juez dicte sentencia sin haber estado presente en el desahogo de pruebas, e incluso sin haber escuchado directamente a la víctima y el acusado (CARBONELL; OCHOA, 2009). Dentro de las principales críticas que enfrenta se encuentran que por su diseño al imputado se le persigue, no se le juzga, ya que se le limitan los derechos de defensa y es común que se utilice la tortura para investigar, además de que el proceso es secreto y sin derecho de contradicción. 14 El cual gira sobre los siguientes principios: a) oralidad, b) inmediación; c) la identidad del juzgador; b)la concentración; e) publicidad de la causa; f) la elasticidad adolescencia trasgresora. Para explicar este punto comenzaré señalando un hecho por todos conocido desde décadas atrás, esto es, que a pesar del cambio de paradigma tutelar, paternalista y salvacionista, por el garantista, lo cierto es que continúan siendo los adolescentes más pobres lo que terminan siendo procesados judicialmente. Si bien, desde hace décadas la relación entre los menores infractores, la pobreza y la exclusión ya había sido señalada con fuerza , considero que hoy más que nunca se requiere tratar de profundizar en tal situación.


En este sentido, me parece que hablar de justicia para adolescentes en México requiere abordar la cuestión socioeconómica, como una segunda dimensión directamente relacionada a la justicia especializada en adolescentes, en tanto como fenómeno sociojurídico. Al respecto, lo primero que habría que decir es que aquella vieja frase que dicta que "el derecho penal es para los pobres", no sólo es aplicable también en lo referente a los adolescentes, sino que encuentra en ellos uno de los escenarios privilegiados donde es posible observar la centralidad de la pobreza y los vínculos que ésta teje con la desigualdad y la exclusión. 15 15 Como ya he mencionado, para explicar este punto lo primero que habría que considerar es el perfil de los adolescentes que son procesados cotidianamente y que ocupan las mayores cifras de casos en todos los poderes judiciales del país, ya que si bien es cierto que algunos especialistas hablan de un aumento en el ingreso de la delincuencia organizada (secuestro, narcotráfico, robo de vehículos) por parte de los adolescentes, también es verdad que las estadísticas muestran que la mayor parte de los adolescentes que están siendo ingresados a los centros de internamiento son por conductas sancionables comunes (robo, lesiones, homicidio, violación), lo cual es frecuentemente tergiversado por los medios de comunicación en su afán de vender notas alarmistas, lo cual sólo contribuye aún más a su estigmatización. Véase las estadísticas del INEGI sobre Justicia para Adolescentes.


con este autor, en el debate general respecto a los factores que constituyen la exclusión social se pueden detectar los siguientes núcleos respecto a la fractura del lazo social: a) la pobreza y desigualdad; b) desempleo y precarización laboral (y social); c) las limitaciones y/o no cumplimiento de los derechos de la ciudadanía y d) una serie de aspectos psicosociales de orden individual; elementos que no son excluyentes, sino que son complementarios.


En este sentido, Saraví plantea que las profundas trasformaciones ocurridas 19 generaron que amplios sectores de la población quedaran indefensos ante los nuevos riesgos, entre los cuales se destacan los jóvenes de las clases económicas más bajas. De ahí que para dicho autor sea de vital importancia plantear estudios que permitan analizar particularmente la transición a la adultez en la exclusión; es decir, aquellas experiencias biográficas que están condenadas a quedar atrapadas en círculos de desfavorables, a las cuales denomina trayectorias de riesgo (risk trajectory): "es decir que un factor de riesgo puede reforzar y promover otros, conduciendo a una creciente restricción sobre las posibilidades futuras, como en procesos de" acumulación de desventajas" (cummulative disadvantages) que pueden conducir al entrampamiento de los individuos en situaciones que se reproducen y acrecientan a lo largo del curso de vida, poniendo en el horizonte la amenaza de la exclusión" .


por procesos más o menos intensos de acumulación de desventajas" . 19 En este punto, siguiendo a Esping Anderson, Saraví (2009) plantea que tales riesgos surgen a partir de la desarticulación del modelo de bienestar, que brindaba una red de protección social, el cual estuvo estructurado sobre tres pilares: el mercado de trabajo (centrado en el trabajo masculino), la familia (predominio de la familia nuclear) y el Estado (que vinculaba los derechos sociales al empleo formal).


Para comprender la relación, Saraví señala que la transición de la juventud a la adultez es afectada por los acontecimientos históricos, los micro-escenarios de interacción y la agencia de los actores en campos estructuralmente determinados; tal conjunto de ele- Aunado a lo anterior debemos considerar que una vez que entran en contacto con el Estado a partir de sus representantes, procedimientos y espacios, los adolescentes están aprendiendo que aún cuando tienen derechos formales dentro de su condición jurídica -que ha llevado a la construcción de todo un andamiaje institucional especialmente dedicado a ellos-, lo cierto es que en la práctica las autoridades está especialmente preocupado por sancionar sus conductas, aunque para ello utilicen discursos construidos en torno al concepto del "el interés superior del adolescente" como justificación.


La justicia especializada está convirtiéndose, en un espacio en el cual entran en juego diversos elementos, pero en el cual la participación de los adolescentes en su juzgamiento es subordinada a diversas cuestiones, entre las que destacan las viejas prácticas ministeriales provenientes del sistema mixto, así como la noción generalizada entre los operadores de que es mejor que guarden silencio para no agravar su caso.


Adolescente: por lo que entendía nosotros íbamos a presentarnos allá, pero vinieron ese día y nos subimos a la camioneta y nos fuimos a declarar y pues todo empezó bien, nosotros declaramos la verdad de lo que había pasado, pero pues como mis hermanos son más chicos los amenazaron y comenzaron a decir cosas que les podía pasar ahí en la cárcel si no decían eso (lo que los policías querían que dijeran), que lo que contaba era que uno dijera la verdad según su verdad de ellos, que la juez iba a tomar así en cuenta eso, que nada más nos iba a dar tres 420 meses, que si no nos iban a dar siete años. Y sí, mi hermano y ellos dijeron que sí, o sea sí según aceptaron pero fue bajo amenaza y el fiscal según habló con el juez y el juez ordenó que nos detuvieran y antes de que mandara así a detenernos. Nosotros queríamos salir porque teníamos hambre y todo eso y antes de que mandaran la orden ellos ya no nos dejaron salir, nos prohibían hacer, ya nos tenían como.


arrestados. Luego el fiscal le dijo a mi mamá que no se preocupara que no iba a pasar nada, que nada mas estaba esperando el papel pero no, nunca le dijeron que nos iban a detener, nomás dijeron que nos iban a revisar para así, que no tuviéramos golpes ni nada y nos metieron a un cuarto y de ahí nos cerraron la puerta y nos dijeron que no podíamos salir y ahí estuve durante dos días, creo dos días.


Irene: cuando llegaste allá a la sala de juicio ¿qué pensaban ustedes? se dice que los jóvenes pueden explicarse, pueden usar las pruebas a su favor y tomar la palabra ¿esto realmente pasa?


Adolescente: no, lo que pasa es que tú te sientas y no tienes derecho a hablar, bueno ahí te llevan a la (audiencia) de vinculación, a nosotros nos tocó un juez que nunca nos permitió hablar .


Irene: ¿en la audiencia de vinculación los dejaron hablar?


Adolescente: no, en vinculación no y fueron muy poco, nada mas leyeron las pruebas que tenían en contra de nosotros y nos dieron cuantos días hábiles íbamos a estar allá adentro para presentarnos, según iban a ser cuarenta y cinco días hábiles pero, el chiste es que estuvimos como tres meses ahí .


Irene: mientras estaban internos ¿venía gente del estado a buscarlos?


investigadores, policías, peritos, ¿alguien vino?


Adolescente: no, mientras ellos estuvieron encerrados no, incluso era al revés, mi mamá tuvo que estar buscando allá, por ejemplo en este 421 caso a mi abogado, y si bueno si tenía contacto con él pero era muy poco… pero si aquí no vieron a buscarnos más que la vez que vinieron y nos llevaron, que fue nada más porque uno ignora las leyes pero la vez a que ellos se los llevaron pues no fue respetando sus derecho ¿no?. Ni siquiera se informó que iban a ser detenidos, lo que nos dijo el oficial y la otra muchacha que venía con él pues era que nada más iban a declarar, que estaban citados y que sí quería ellos venían por ellos para que no pagaran pasaje y pues uno es ignorante hasta tonto, por así decirlo y pues ya vinieron y cuando se los llevaron y vimos que traían armas, y eso tú dices pues ya no es que nos vayan a echar un "ray". Y ya pues cuando estuvieron allá mi mamá estaba esperando a que salieran porque según nada más les iban a tomar la declaración y no los dejaron salir. Entonces ellos declararon sin abogado, ellos los hicieron declarar así ni siquiera estaba presente mi mamá, ni el abogado, ni nadie.


Sin embargo, lo que me parece más problemático es que si bien, de manera formal los jueces enuncian los derechos y las oportunidades que podrían tener los adolescentes durante las audiencias para intervenir, en la práctica estas se ven opacadas por diferentes cuestiones; por ejemplo, que los jueces usen terminologías técnicas que pueden ser confusas para adolescentes que tienen bajo nivel de instrucción; las cuales suelen expresarlas de forma rápida. Asimismo, también habría que considerar que tienen poco contacto previo con su defensor público y que en ocasiones éstos mismos suelen llamarles la atención. En este tenor, concuerdo ampliamente con el "Informe sobre la justicia para adolescentes en conflicto con la ley penal" 22 el cual señala que la organización del sistema integral de justicia para adolescentes ha cambiado en el aspecto normativo, pero no en sus estructuras; razón por la cual los Centros de Internamiento mantienen el modelo tutelar; además de que destaca los programas individualizados (en las medidas a las que se sentencia a los menores) son elaborados únicamente a partir de los criterios de las áreas técnicas de manera aislada, sin incluir a las familias, ni tampoco la opinión de los adolescentes. Programas que además se concentran únicamente implementar diversas estrategias a las cuales quedan completamente expuestos. Por ejemplo cuando los policías y agentes ministeriales los "entrevistan" empleando formas intimidatorias o mintiéndoles respecto a que si aceptan la culpa recibirán menor sanción, o en aquellas otras, cuando suelen ser separados de sus padres al momento de cuestionarlos, soliendo usar la táctica de entretener a los padres con cuestiones administrativas mientras son interrogados. A todo lo cual habría que sumar el señalamiento de los adolescentes respecto a que en la primera "entrevista", en la práctica, suelen estar sin abogado defensor.


Ahora bien, posteriormente cuando los agentes ministeriales presentan el caso ante el juez y se inicia su vinculación formal, los adolescentes suelen quedar reducidos a simples espectadores. Hasta aquí me parece que es posible ver algunas de las tensiones entre los discursos y las prácticas existentes en lo referente a la justicia especializada para adolescentes en Querétaro actualmente. Prácticas que dan cuenta de que sí bien existen avances en la dimensión formal--estructural, aún está lejos de avances significativos en conformarse un espacio que permita a estos adolescentes que provienen de fuertes procesos de desigualdad y exclusión, tener una verdadera experiencia de legalidad, que no implique la gestión disimulada de prácticas que están lejos de ser garantistas o de cumplir con la función pedagógica esperada.


Ahora bien, para comprender la importancia de considerar la justicia especializada desde una segunda dimensión, así como la centralidad que esto tiene en relación a la justicia para adolescentes, como el único contacto que estos jóvenes tienen con el Estado, y sus potencialidades como elemento constitutivo de una próxima ciudadanía es preciso retomar los planteamientos , quien ha enfatizado el valor analítico y 426 sociológico de las interpretaciones de todos los involucrados en los conflictos, en la medida en que contribuyen a la legitimación de los procesos legales por todas las partes. Esto aunado a su centralidad en la construcción de una ciudadanía activa, la cual tiene como núcleo el reconocimiento del valor del interlocutor que implica que éste reciba un tratamiento como una persona/ser humano respetable, igualmente merecedor de atención, respeto y consideración, lo que él denomina como sustancia moral.


Como el autor apunta, en términos prácticos esto quiere decir que independientemente de su clarificación en términos de estrato económico, prestigio y estatus social, el éxito en la obtención del tratamiento considerado deseable va a depender de la habilidad y/o oportunidad del actor para su característica como persona moral; es decir, una identidad valorizable, la cual funcionaría como un índice de dignidad. En este sentido, el no reconocimiento del valor de la sustancia moral del interlocutor estimula la negación de su dignidad, la cual es concebida como condición necesaria en la formación de una identidad positiva . En otras palabras, para Cardoso, el respeto por el interlocutor no es únicamente una cuestión de cordialidad, sino de respeto y reconocimiento de su dignidad. 24.


Ahora bien, en lo que respecta al tema de la justicia para adolescentes, me parece que las situaciones y actitudes que estos jóvenes enfrentan por parte de las diferentes autoridades involucradas con ellos, -las cuales suelen ser tendientes más a culpabilizar a los adolescentes y sus familias al vincular la pobreza y desigualdad de la que provienen al desinterés de éstos-, en lugar de trabajar en articular programas públicos que permitan ofrecerles oportunidades; así como al impedir que los adolescentes tengan una mayor participación activa en su defensa o por lo menos una mayor comprensión de los procesos judiciales a los que se enfrentan, no sólo reproducen, sino que potencializan aún más dicha exclusión, dando paso a su posible integración social, pero siendo confinando ésta a ser siempre subordinada. Es decir, se requiere que los adolescentes logren aprender que más allá de su condición socioeconómica, así como de su posible vinculación a un delito, tienen el derecho a ser tratados como interlocutores dignos de ser escuchados y participar activamente en su defensa.


En este sentido, me parece que los planteamientos de Azaola (1996) respecto a que si bien el modelo garantista rescató al niño y al adolescente como sujeto de derechos, lo ha olvidado como sujeto histórico y social continúan vigentes, pues como la autora señaló, se ha convertido a las nuevas leyes en discursos rígidos y estereotipados que repiten principios sin interpelar a la realidad, sin generar espacios que permitan escuchar a estos jóvenes y a partir de ahí generar proyectos más adecuados a sus características y necesidades. En este sentido, como Azaola plantea, se requiere trascender las visiones pobres y estrechas que únicamente pretenden reglamentar la función del Estado; por el contrario, se requieren generar esquemas más amplios en la protección de los derechos de los adolescentes, enfoques que además consideren la importancia de la dimensión simbólica que la justicia para adolescentes puede alcanzar. A partir dessa constatação etnográfica, é importante salientar, desde logo, que não se trata apenas de reafirmar o que já foi ditoe muito bem-dito, aliás -por uma série de pesquisadores que demonstraram a potencialidade de se pensar os bairros periféricos em continuidade analítica com as prisões, na medida em que, no cenário contemporâneo, as fronteiras entre o dentro e o fora são porosas 2 Os Centros de Detenção Provisória, em tese, são espaços institucionais destinados aos presos e às presas que ainda não foram julgados, mas atualmente -devido à superlotação das prisões -abrigam homens e mulheres já sentenciados pela Justiça. Como salientam nossos interlocutores, os CDP, em relação aos presídios, possuem as piores condições de existência, haja vista que não há trabalho e nem estudo, além do fato de que a alimentação é precária. Atualmente, existem 41 CDP espalhados pelo estado de São Paulo. Essas cenas permitem-nos notar o que viemos afirmando ao longo desse texto. Espaços de internação para adolescentes, "cracolân-6 Ressaltamos que temos acesso ao conteúdo desse processo judicial e que ele está sendo minuciosamente analisado por nós para outras produções textuais ainda em elaboração. Agradecemos ao Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), sobretudo a Luísa Luz, por facilitar o acesso ao processo. Esse processo de opção pelo encarceramento massivo como estratégia política para a questão da segurança pública -traço local de um processo global -entre outras reflexões, nos remete à função social que a prisão ocupa no cenário contemporâneo de controle do crime.


Autores como O pai começou também a sua fala. Para além dos procedimentos: respeito, dignidade e direitos.


As narrativas apresentadas até aqui parecem apontar para algum nível de demanda por reconhecimento moral . Desde então, a chamada "guerra"


contra a violência passou a ter as favelas e periferia do estado como ), teve especial importância, recusando-se a conceber as culturas como combinações arbitrárias de pedaços e remendos ("shreds and patches"), mas como um complexo inter-relacionado. .


Porém, no final dos anos oitenta e início dos noventa vários antropólogos -tais como , e -passaram a perceber a situação indígena de maneira distinta, ressaltando o êxito -contra todas as expectativas -de muitos povos em manter sua identidade social, cultural e étnica a partir de uma resistência eficaz contra as agressões advindas da sociedade nacional, crescendo populacionalmente e demonstrando grande capacidade de incorporar e dominar aspectos da cultura nacional, tais como a língua portuguesa e as tecnologias de comunicação, sem que estivessem, assim, "perdendo suas culturas".


Essa nova perspectiva traz para o léxico antropológico conceitos como "resistência", "adaptação", "reinvenção cultural" e "resgate". Torna-se mais sólido o entendimento antropológico, apoiado em pesquisas etnográficas, sobre os processos de transformação cultural, que passam a não ser mais vistos a partir da noção de "perda" (tão presente nos estudos sobre "aculturação"), mas a partir da noção de "alternativa", "estratégia" e mesmo "resiliência" -termo emprestado da física que descreve a propriedade de alguns materiais cujos princípios podem ser observados em muitas culturas indíge- Para os índios Pitaguary, a "mangueira bicentenária" e a "cafua 8 "sinalizam a particularidade de sua experiência histórica assinalada pelo "tempo da escravidão sofrida pelos antepassados", mostrando--se como "enunciado performativo 9 " crucial na atual "reconstrução da tradição 10 " Pitaguary. A arena simbólica balizada por esses sinais dos tempos constitui-se como espaço evocativo da narrativa histórica dos "troncos velhos escravizados pelos fazendeiros que tomavam de conta das terras dos índios", enfim, como sinais do trabalho naquele território.


A longo do processo de organização social dos índios Pitaguary, implicando em "lutas simbólicas pelo conhecimento e pelo reconhecimento" ), e, à vista disso, diante dos enunciados políticos e culturais atualizados no âmbito movimento indígena, despontou a produção e manutenção do ritual do "toré" 11 .


Então, o toré passou a estabelecer uma "situação social" expressiva de afirmação da etnicidade Pitaguary, sendo amiúde realizado no entorno da "mangueira sagrada" 12 .


Por isso talvez fosse melhor falar em "reconstrução" das tradições, em vez de invenção, já que o que ocorre não é tanto a criação a partir do nada quanto uma tentativa de bricolagem, de dar novos usos a materiais antigos ou fazer novas declarações com palavras antigas". 11 Trata-se de uma ação ritual que representa marca de "indianidade" (OLI-VEIRA, 1988) de grande parte dos índios do Nordeste, que relacionaconforme as particulares performances étnicas -uma dança executada ou de forma circular (geralmente no sentido anti-horário) ou em fila ou em parelha, levando a efeito variados cantos, e, muitas vezes, sendo empregada a ingestão de bebidas como a jurema, e especificamente no Ceará, o mocororó. A presença de instrumentos varia no uso de maracás, apitos e gaitas, zabumbas, bombos, e tambores diversos. Para uma apreciação das formas rituais do toré encontradas entre os índios do Nordeste ver a coletânea de organizada por Grunewald (2005). 12 Acerca das "condições dos ritos", é crucial observar os "lugares qualificados" para as ocorrências rituais, considerando que "o mínimo de qualificação que se pode exigir é que o lugar tenha uma correlação suficiente com o rito" Nesse contexto de resistência frente à invasão das terras por "fazendeiros" e "grileiros", os "Negros da Picadinha" lutaram pela continuidade de sua autonomia, contra a submissão a um novo "cativeiro", ou seja, contra a perda de controle da terra, dos meios de produção e do processo de trabalho índio "aldeado" que está sendo evocada em contraposição àquela do "urbano". Por oposição ao índio "bravo" que "vive aldeado", os "urbanos" são vistos como "mansos" e "civilizados" e, por um ponto de 614 vista absolutamente estereotipado, têm sido percebidos como aqueles que perderam sua própria essência ao se aproximar de um ideal de "branco", ao qual nunca terão totalmente acesso.


Mesmo que alguns ainda ocultem sua identidade, essa dinâmica vem sendo sistematicamente modificada. Há índios que reafirmam os laços étnicos, muitas vezes por meio das organizações indígenas.


No contexto, usar a língua nativa passou a ter importância central, Assim, é comum que os índios na cidade evitem assumir sua identidade ou apenas reconhecê-la no âmbito de categorias "genéricas", como a de "povos do rio Negro". Isto significa negar as taxonomias internas existentes. Assim, é como se as relações, antes pensadas como assimétricas -através da oposição entre "índio do rio" e "índio da floresta" -, fossem transformadas nas cidades, ainda que permaneçam outras estruturas elementares. Ou seja, impõe-se um novo esquema de classificação social, que opera através dos seguintes pares de oposição: "cidade" e "aldeia"; "modernidade" e "tradição";


"selvagem" e "civilizado". Esta amálgama de representações constitui uma verdadeira filosofia social que valoriza um tipo "ideal" de índio em detrimento dos índios que vivem na cidade e, alguns deles, até nasceram nesse contexto. Assim, é como se os verdadeiros índios fossem aqueles que estão nas "florestas", ao passo que o índio na cidade é representado como "manso" e "domesticado", como uma farsa aliança para com os "brancos", pela qual buscavam criar melhores condições para produzir a vida diante de novos contextos marcados pelo signo da violência e assimetria.


No fundo, o que os Baré pretendiam era "amansar" ou "domesticar" os brancos. Ou seja, o que estava em jogo era também um projeto que pretendia "pacificar o branco" para usar os termos de Albert . Os rituais são também definidos pela repetição cerimoniosa de gestos formalizados. A festa é sempre uma ocasião de descontração, divertimento, envolvendo danças, músicas, bebida, alegria" de não terem acesso aos serviços de saúde ou escolar; de estarem sujeitos à violência, seja invadindo um pedaço de terra, seja no envolvimento com as "galeras"; as formas de violência moral e insultos aos quais estão submetidos que os fez, inclusive, esconder sua identidade por tanto tempo, falam por si. Porém, a despeito das adversidades, reafirmam seus próprios padrões, reivindicam reconhecimento e sua condição de existir.


No caso dos Baré assumem-se como um povo cuja referência básica é a ideia de "mistura" e é por isso que, de acordo com suas representações, podem ser considerados os "os índios brancos" ou "índios da cidade", já que acionam essas categorias como diferenciadores.


Podem igualmente acreditar em botos, "festejar os santos católicos", tomar coca-cola e continuar sendo Baré. Suas narrativas indicam, portanto, que é preciso dotar de maior flexibilidade nossos mode-624 los teóricos, de forma a substituir os pares de oposição -como, por exemplo, índio: branco; cidade: aldeia -por "posições escalares que contrastam umas com as outras de acordo com a distância relativa de um polo a outro" 'Con razón los winka 2 quieren quedarse con este lugar'.


Paso Coihue se alza en el sur de la provincia que llaman Neuquén. Sus centenarios bosques y su cercanía con el inmenso espejo de agua lo han convertido en un rincón muy atractivo para la industria turística. Se ubica a mitad de camino de dos ciudades que son importantes para esa actividad: Bariloche y Villa La Angostura. La última ha experimentado un crecimiento meteórico en los últimos años. A casi 12 años de aquellos hechos, es inminente la resolución del juicio con los agentes privados por estas tierras que siempre habitaron los Quintriqueo.


La localidad de Villa la Angostura 3 y zonas cercanas -como Paso.


Coihue -es un verdadero paraíso por las bellezas naturales con que cuenta, al asentarse en una zona de lagos, de arroyos y montañas que forman parte de la Cordillera de los Andes, la cual oficia de límite natural con el vecino país de Chile. Esto, sumado a diferentes mejoras en su infraestructura, junto con el contexto de valorización turística de la Patagonia 4 , explica que la localidad cuente con un récord de crecimiento poblacional 5 , en especial en cuanto a la expansión turística e inmobiliaria en las últimas décadas y particularmente luego de la devaluación de la moneda (a partir del año 2002) 6 .


Pero desde que el periodista Adrián Moyano escribiera estas palabras hace más de una década, y precisamente al compás de este desarrollo explosivo del turismo, esta zona bate otro record bastante menos agradable y por cierto digno de mención: es una de las localidades de Neuquén con mayores integrantes de las comunidades Mapuche -como los Quintriqueo, o la comunidad asentada en el ejido municipal Paichil Antriao -judicializados por diferentes conflictos.


A esta otra arista nos referiremos en este artículo.


El objetivo que nos proponemos en este trabajo, es analizar la dinámica de estigmatización y criminalización de los integrantes de las comunidades Mapuche de la localidad de Villa la Angostura y zonas aledañas del Departamento "Los Lagos" (de la Provincia de Neuquén), en el contexto que hemos descripto que implica un proceso de movilización Mapuche y reclamo por sus territorios ancestrales.


Tales reivindicaciones se hallan asociadas a la reafirmación de la propia identidad y a una reorganización (y en algunos casos formalas provincias de Chubut, Santa Cruz y Tierra del Fuego (ver Mapa nº 1).


A partir de este planteo, la hipótesis principal que nos proponemos formular con este artículo, es que la criminalización hacia el pueblo Mapuche que se da en esta región, si bien tiene un primer efecto que es inhibir el reclamo territorial y así posibilitar a los agentes privados el avance sobre los ámbitos en disputa, tiene otra consecuencia (que no consideramos menor). Se trata precisamente de construir a esos indígenas como opuestos a la "civilización", a las sociedades locales, y reforzar ese lugar de "externalidad" en relación a lo presuntamente "normal". En definitiva, se trata de continuar con el proceso de negación, obliteración, y estigmatización de los pueblos originarios e intentar (algunas veces con mayor éxito que otras) neutralizar los avances que viene logrando el pueblo Mapuche en las últimas décadas, en especial con la reorganización de las comunidades locales Paichil Antriao, Quintriqueo y Quintupuray en este Departamento de "los Lagos" (de la provincia de Neuquén).


Entendemos que esta criminalización por parte de los sectores dominantes es, en algún sentido, la "contracara" o la "otra cara de la moneda" de la exaltación de los pioneros de origen blanco -europeos o norteamericanos -como "modelo positivo" asociado a la consolidación de la estatalidad en la región. Se trata entonces, de una construcción de ese "otro", pero de la única manera que puede ser presentado por estos sectores: además de presuntamente extranjero, como "delincuente" o bien en los "márgenes de la legalidad". Cuando veamos con mayor detalle la forma en que se da la criminalización y judicialización indígena en la región, comprenderemos en mayor medida este planteo.


En la primera parte de este trabajo, nos referiremos a las características de la región de los "los lagos" de Norpatagonia argentina, el departamento "Los Lagos" de la provincia de Neuquén y las principales características y efectos de la expansión turística e inmobiliaria. Luego presentaremos una serie de aspectos generales del pueblo Mapuche en general y en particular de la región de Villa la Angostura. Seguidamente, analizamos estos aspectos para la comunidad Paichil Antriao de dicha localidad y posteriormente, para la comunidad Quintriqueo. Por último, adjuntamos las conclusiones de este trabajo.


Cabe destacar que este trabajo se nutre de diversas temáticas que involucran al pueblo indígena Mapuche, que venimos investigando desde fines de la década de 1990.


La región de "los lagos" de Norpatagonia argentina, el departamento "Los Lagos" de la provincia de Neuquén y la expansión turística e inmobiliaria Como adelantamos al inicio de este trabajo, en esta región de los Lagos de Norpatagonia argentina, por su atractivo paisajístico (bosques, montañas, cuencas lacustres, paisajes boscosos, ríos, arroyos etc.) y a la vez la infraestructura con que cuenta, desde hace años viene creciendo en importancia como centro turístico y de servicios.


Estas condiciones vienen contribuyendo a promover la expansión de la actividad turística (y sus asociadas, como la inmobiliaria). Desde hace varias décadas, pero en especial en las dos últimas, en las zonas involucradas en estos cambios -como la localidad Villa la Angostura-se vienen desarrollando aún más los servicios terciarios y las actividades político-administrativas.


Un indicador que permite dimensionar las transformaciones de este período constituye la variación poblacional de los últimos veinte años Pero estas redefiniciones son mucho más profundas que un crecimiento en términos poblacionales. En efecto, estas transformaciones no sólo han implicado un gran incremento en la cantidad de visitantes y nuevos propietarios, sino también han involucrado una modificación cualitativa en la demanda, con nuevos perfiles socioeconómicos y de consumo que tienden a generar un mayor "prestigio" del lugar, cambios que se evidencian en una multiplicidad de indicadores 10 .


10 Un ejemplo de esto se puede observar con la cantidad de pernoctes registrados en establecimientos habilitados al comparar la temporada estival (meses de Enero y Febrero) entre los años 2004 y 2014 para el conjunto de la Provincia de Neuquén, el que ha crecido de 534.433 en el año 2004 a 830.587 en 2014, lo que implica un crecimiento del 55,4%. Los establecimientos habilitados son de 758 (para el último registro del año 2014) un 96% más que hace una década, con 27.163 plazas, lo que representa un 58% más elevado que en el año 2004 (Ministerio de Desarrollo Territorial, Gobierno de la . Estas últimas cifras, posibilitan dar cuenta de la consolidación de la región como centro turístico, también con una ampliación de la oferta y los servicios brindados.


Paralelamente, cabe destacar que la actividad turística tuvo un gran impulso a partir de la devaluación de la moneda local (el peso argentino), en el año 2002. A partir de ese momento, con el fin de la paridad peso-dólar, se ha dado una gran ampliacion de esta fuente de ingresos, tanto a partir de turistas extranjeros que en mayor medida han comenzado a viajar hacia la Argentina, como locales que han reducido los viajes al exterior (ante los mayores costos en relación a los ingresos locales). Estas dinámicas han afectado de diferentes formas a las poblaciones indígenas (al igual que a los restantes segmentos de la sociedad) y en particular a los territorios en que éstas se asientan.


El Departamento "Los Lagos" de la Provincia de Neuquén, está situado al sur de este estado Provincial, siendo su localidad cabecera Villa la Angostura. Ésta última, se asienta sobre la orilla norte del Lago Nahuel Huapi y se extiende hasta el Lago Correntoso, en una zona de grandes bellezas naturales (ver mapa). Se encuentra a 80 Km. de las ciudades de San Carlos de Bariloche y a 110 Km. de San Martín de los Andes (por el circuito turístico de "Los Siete Lagos") 11 y a 30-40 kilómetros de la frontera con Chile.Se fundó oficialmente en mayo de 1932, cuando se inauguró el edificio de la oficina radiotelegráfica "Correntoso", si bien había un nucleo previo de población de diversos orígenes (como la de origen indígena), desde hacía varias décadas atrás a la institucionalización. El desarrollo de la localidad de Villa la 11 La ciudad de San Carlos de Bariloche se asienta sobre la margen sur del Lago Nahuel Huapi, contando -de acuerdo a datos del último censo del año 2010 -con 108.205 habitantes (INDEC, 2010; Diario "Bariloche2000" 26/11/2010) siendo el principal punto turístico de la "zona de los lagos" y la tercera ciudad en población de la Patagonia. Con respecto a San Martín de los Andes, constituye uno de los centros turísticos más importantes de la región y es el más destacado de la provincia de Neuquén. De acuerdo a datos del último registro censal (año 2010), esta localidad posee 28.599 habitantes (Dirección Provincial de Estadísticas y Censos, 2012).


Angostura fue lento durante la primera mitad del Siglo XX, pero en la década de 1990, a partir de la pavimentación de la ruta nº 231 -que la comunica con Bariloche -y la expansión de la actividad turística en la región, comenzó a intensificarse aceleradamente su crecimiento poblacional, pasando de 3.056 habitantes en 1991 a 7.325 en 2001 ; y 11.063 habitantes en 2010 (Dirección Provincial de Estadísticas y Censos, .


Sus actividades económicas se concentran principalmente en el turismo y la construcción, manteniéndose desde su fundación, como una opción para visitantes de alto poder adquisitivo.


El Departamento "Los Lagos" que tiene a Villa la Angostura como centro urbano de referencia, forma parte del Parque Nacional Nahuel.


Huapi (la zona norte de este área protegida), en tanto la margen sur corresponde al Departamento "Bariloche" de la Provincia de Río Negro, funcionado el lago Nahuel Huapi como límite entre ambas provincias) (ver Mapa 2).


Para este artículo, consideraremos dinámicas que involucran a comunidades Mapuche, tanto urbanas como peri-urbanas de este Departamento de "Los Lagos".


A partir de la expansión turística e inmobiliaria -con la acelerada construcción de residencias de gran valor monetario y el aumento de la población -se viene dando una creciente presión sobre los territorios que ha generado agudos conflictos entre diferentes sectores, especialmente con la comunidad Mapuche local "Paichil Antriao" que veremos en el próximo apartado.


En efecto, con tan solo el 2,08% de la población provincial (en base a datos del año 2010), Villa la Angostura concentra el 20,2% del total de los permisos de la provincia para construcciones nuevas y ampliaciones (ver cuadros adjuntos) lo que pone de manifiesto el peso de la expansión inmobiliaria en esta localidad (Dirección Provincial de 642 Estadísticas y Censos, . Pero además el crecimiento sensiblemente mayor entre la progresión en la cantidad y superficie de las construcciones nuevas en relación al incremento poblacional, evidencia hasta qué punto se trata de segundas residencias o emprendimientos turísticos. Con estos valores, no es extraño los múltiples conflictos resultantes de la expansión de esta fuente de ingresos, pero además los efectos que generan que luego veremos en términos de criminalización y judicialización Mapuche. En cuanto al pueblo Mapuche, su sometimiento militar tuvo lugar a fines del siglo XIX después de varios siglos de resistencia, cuando también en el occidente cordillerano (en el que se encontraba expandiendo el estado chileno) se desarrollaba una operación militar similar (denominada "Pacificación de la Araucanía") . La "Conquista del Desierto" permitió la incorporación de las áreas habitadas por el pueblo Mapuche a la estructura económica del Estado Nación argentino en formación. Además del exterminio y del sometimiento de miles de indígenas, el resultado fue la privatización y concentración de grandes extensiones de tierra, que resultaban necesarias para la expansión de la clase terrateniente y la consolidación del modelo agro-exportador. Otro efecto fue el reasentamiento de la población sobreviviente en tierras marginales, adoptando como actividad preponderante la crianza de ganado menor (ovino y caprino) en forma extensiva (RADOVICH; BALAZOTE, 2009).


Luego de las conquistas y con el proceso de conformación nacional, las políticas pretendieron homogeneizar en términos culturales a la población asentada en el territorio. Esto se ha dado con particular intensidad en la región de Norpatagonia, donde se aplicaron después de la Conquista, políticas en pos de la estigmatización y la negación de la identidad indígena (y también de otros sectores considerados "indeseables", como inmigrantes chilenos de bajos recursos, muchas veces descendientes de indígenas y criollos). Esto se ha complementado con otro desplazamiento de la "alteridad": el de simbolizar a los indígenas actuales a través de atributos ligados de una u otra manera a la noción de "exterioridad" (en relación a lo "contemporáneo", lo "nacional", lo "normal" etc.). El más extendido de estos desplazamientos, y quizás el más eficiente como representación, es el de "extranjería" a través de la identificación estigmatizante, de larga data, de los "Mapuche" con los "chilenos" (RADOVICH; BALAZOTE, 645 2009). Esto ocurre también, en menor medida, con otros pueblos, signándolos como supuestamente bolivianos (en el Noroeste Argentino) o paraguayos (en el Noreste). Pero hay otras asignaciones de similar tenor, siempre vinculadas a esta noción de "externalidad", como las permanentes acusaciones a los indígenas -en especial a sus organizaciones -de "intentos de secesión", "ilegalidad" etc.


Con el devenir democrático (a partir del año 1983) y en particular en los últimos años, el pueblo indígena Mapuche ha logrado una destacada presencia social y una capacidad de generar transformaciones en la sociedad en su conjunto. Sus organizaciones etnicistas (de los pueblos originarios) fueron de las primeras del país y vienen generado profundos cambios sociales, políticos y culturales en la región del Norte de la Patagonia donde se asienta el pueblo Mapuche (al igual que en el sur de Chile). A la vez estos procesos se sustentan y retroalimentan en las crecientes dinámicas de "re-emergencia", "reactualización de la identidad", "transfiguración étnica" o "revival de lo étnico" (VÁZQUEZ, 2000) en plena coincidencia con las dinámicas que se dan en el resto del país y América Latina.


Esto conlleva la afirmación de estos pueblos como sujetos de derecho y como agentes sociales y políticos, con capacidad de efectuar movilizaciones y reivindicaciones por sus territorios, su identidad étnica, su cultura y sus derechos específicos, revirtiendo la tendencia histórica a la negación y la invisibilización por parte del Estado y de los sectores hegemónicos nacionales, regionales y locales (VALVERDE, 2013).


Acorde con estos procesos organizativos, se viene dando un incremento en los diversos litigios con inversores privados y algunos niveles del Estado, registrándose en algunos contextos, situaciones de gran conflictividad. Tendencia que es plenamente coincidente con 646 la de otros grupos indígenas y de pequeños productores rurales a lo largo del país . Las causas de estos litigios se explican a partir de la expansión de diversas actividades económicas -o las "fronteras productivas" -con la consiguiente valorización de los territorios ocupados por las poblaciones y comunidades indígenas (al igual que otros pobladores rurales). Cabe destacar que similares procesos se vienen produciendo en el vecino país de Chile (donde también se asienta el pueblo Mapuche). Allí la expansión forestal, la construcción de centrales hidroélectricas y de carreteras, viene afectando severamente éste pueblo indigena Mapuche (ALWIN OYAR-ZÚN, 2008) aunque los niveles de conflictividad son muy superiores.


La comunidad Paichil Antriao: paradigma de los efectos de la expansión inmobiliaria en los pueblos originarios Los primeros pobladores de los cuales existen registros que se asentaron en la zona de la actual localidad de Villa la Angostura a fines del Siglo XIX, son los indígenas Mapuche Ignacio Antriao y Segundo Paichil con sus respectivas familias, muchos antes de la conformación del Estado Nación y de la efectiva frontera con Chile (que recordemos, se halla a pocos kilómetros de esta localidad).


Estos jefes indígenas eran profundos conocedores de esta zona, por ello colaboraron con la "Comisión de Límites" de Argentina que trabajó entre los años 1895 y 1903, dirigida por el reconocido pionero de la región Francisco Pascasio Moreno (conocido como "perito"), precisamente para delimitar la frontera con Chile. Esto último además no es un dato menor, y por eso lo deseamos enfatizar: el asentamiento de estas familias era anterior al momento en que la frontera con el vecino país estaba trazada, ya que ese era precisamente el objetivo de la comisión de límites con la que colaboró Antriao (!).


Por ello, en el año 1902, cuando se demarcaron los límites fronterizos después del fallo del laudo arbitral británico y se conformó la "Colonia Agrícola Pastoril Nahuel Huapi", les fue otorgado el lote nº 9 (donde actualmente se asienta el ejido de la localidad de Villa la Angostura) a los pobladores Mapuche Ignacio Antriao y a José María Paisil. Este beneficio a los antepasados que dan origen a la actual comunidad, les fue otorgado justamente como reconocimiento por su colaboración con la comisión de límites (ver Mapa 3 de los lotes pastoriles entregados en el año 1902). No obstante, a través de la copropiedad de ambos grupos familiares, luego por medio de sucesivas subdivisiones del lote original, así como por el avance de diversos actores privados -a medida que estas tierras se iban valorizandosus descendientes fueron perdiendo la mayor parte de estas áreas. Es necesario tomar en cuenta, en este sentido, que la legislación no protegía las formas indígenas de ocupación, por ello la posterior llegada de colonos (europeos y criollos) se tradujo en un continuo proceso de desapoderamiento de las tierras que se agravó con la creación del Parque Nacional Nahuel Huapi en el año 1934 .


Desde hace algo más de una década (desde el año 2002), en un contexto diametralmente diferente al que predominó durante todo el Siglo XX en lo que respecta a los derechos y el reconocimiento hacia los pueblos originarios, los descendientes de Antriao y Paichil vienen realizando una serie de movilizaciones y reclamos en busca de su reconocimiento como "Comunidad Mapuche" ("Lof Paichil Antriao"). Cabe destacar que la adscripción indígena de estos pobladores es anterior al reclamo de formalización como "comunidad", tal como lo evidencian los datos del Censo Nacional de Población y Viviendas del año 2001 12 . A la vez, el avance de los agentes privados 12 En el Censo Nacional de Población y Viviendas del año 2001, en el que se indagó la pertenencia a un pueblo indígena -utilizando como criterio la 648 sobre el territorio comunitario a comienzos de la década del 2000, fue lo generó la movilización -tal como asevera una pobladora de la propia comunidad -al afirmar que "[. ] el remate inmobiliario de la ladera del Belvedere fue 'la gota que colmó el vaso', y por esto se decidió "hacer algo o callar para siempre" .


En la actualidad, las tierras que tradicionalmente ocupa el Lof Paichil Antriao se hallan titularizadas a nombre de particulares ajenos a la comunidad que -aunque nunca tuvieron su posesión -las reclaman como propias. Esto contribuye a explicar la situación de conflictividad con diferentes sectores privados, interesados en avanzar sobre esos valiosos terrenos y la judicialización de la cual son víctima los diferentes miembros de la comunidad. En los últimos años, estas situaciones se fueron ampliando y agravando, ya que se han ido vendiendo a precios millonarios -a inversores de altísimo poder adquisitivo, por lo general personalidades famosas del ámbito empresarial, del espectáculo o desportivo -diversos lotes en las zonas que corresponden al territorio ancestral de la comunidad.


Por otro lado, en estos años el Lof Paichil Antriao obtuvo la formalización correspondiente del Estado Nacional 13 , no así del Provincial y el Municipal, lo cual es objeto de grandes controversias. Cabe señalar que en el año 2006 se ha promulgado la Ley Nº 26.160, denomiautoadscripcion -advertimos que en la localidad de Villa la Angostura, en un 12,1% de los hogares al menos algún integrante respondió favorablemente. Por un lado esta respuesta es anterior al inicio del reclamo del año 2002, lo que evidencia que la identificación trasciende la demanda específica como "comunidad" . Reprocesamiento propio de la Base de datos "Redatam+SP" disponible en sitio web). 13 Paichil Antriao posee personería jurídica ante el Registro Nacional de Comunidades Indígenas (RE.NA.C.I.) dependiente del Instituto Nacional de Asuntos Indígenas (I.N.A.I.) -órgano de aplicación de la política en Argentina -mediante Resolución Nº 220/07. "debe ser actual, tradicional, pública y encontrarse fehacientemente acreditada" (art. 2). El término de la emergencia (y la consiguiente suspensión) se ha establecido con el fin de que durante el mismo se realice, por intermedio del Instituto Nacional de Asuntos Indígenas, el relevamiento técnico catastral de las tierras, cumpliendo de esta forma con los convenios internacionales a los cuales ha adherido la Argentina 14 (ODHPI, 2013).


Ahora bien, una muestra elocuente de la brecha abismal que separa "la ley escrita" de lo que sucede "en los hechos" son precisamente las grandes dificultades que posee la efectiva implementación de esta Ley: la provincia de Neuquén ha sido uno de los Estados provinciales que viene incumpliendo con la instrumentación de la misma. Esto ha sido objeto de diferentes controversias de este estado provincial con el organismo nacional -el Instituto Nacional de Asuntos Indígenas (I.N.A.I.) -pero fundamentalmente con las comunidades y organizaciones indígenas y sectores solidarios con éstas últimas.


Así, estos últimos años han transcurrido en un escenario de creciente conflictividad en diversas comunidades de la Provincia de Neuquén. Uno de los ámbitos donde se vienen dando diversos litigios 15 es en la zona del Cerro Belvedere (área periurbana de la localidad de Villa la Angostura). Allí se han producido múltiples episodios de violencia, intentos de desalojo (algunos efectivamente concretados) y una judicialización del reclamo indígena, -a través de diferentes figuras del Código Penal (usurpación, amenazas etc.) -, lo que resulta plenamente explicable en función de lo valioso de los terrenos en disputa.


Esto ha llevado a que los Paichil Antriao constituyan un número muy elevado entre los integrantes de las comunidades Mapuche de la provincia de Neuquén procesados. A la vez, estos conflictos han instalado un intenso debate público -que se refleja en los medios periodísticos locales, pero también regionales -en torno a la preexistencia y la legitimidad indígena en la localidad. En este contexto, se han ido promoviendo y difundiendo masivamente una serie de discursos estigmatizantes, a medida que el conflicto -y su consiguiente judicialización -fueron recrudeciéndose. Uno de estos argumentos se basa en el supuesto de que en la zona había "familias indígenas"


pero "nunca fueron comunidad mapuche" 16 , efectuando un contraste con otras de la zona que presuntamente "sí serían legítimas" 15 Otra zona sumamente conflictiva es la de Pulmarí, provincia de Neuquén, que hemos analizado en otras ocasiones (VALVERDE, 2013). 16 A los sectores locales les es imposible negar la presencia indígena ancestral, entonces la negación se traslada al hecho de ser comunidades, cuando esto implica -sugestivamente -el reconocimiento de derechos específicos. 651 y "auténticas". Contrastando con estas campañas mediáticas, múltiples fuentes revelan el carácter histórico de estas otras comunidades, resultado de diferentes procesos de reasentamiento y movimientos en diferentes períodos. No obstante, a diferencia de lo que sucede con Paichil Antriao, ante la reconocimiento que poseen estas otras comunidades desde las instancias oficiales y la sociedad en general, se tiende a legitimar su existencia, si bien se siguen manifestando en otros aspectos diferentes formas de estigmatización hacia los indígenas (por ejemplo presentándolos en forma folklorizada, como "buenos salvajes" etc.). Otra variante de la deslegitimación hacia los Paichil Antriao, es la creciente campaña que se empezó a promover hace unos meses presentando al cacique Antriao -que origina a la actual comunidad Paichil Antriao -con la denominación exclusiva de "Antriao" (obviando su carácter de cacique), tal como hemos analizado en detalle en otra oportunidad (VALVERDE, 2014) 17 .


En relación a este agudo conflicto territorial, junto con la difusión de mensajes estigmatizantes y la judicialización del reclamo indígena, cabe señalar que las posturas del Estado en sus diferentes niveles son disímiles y evidencian las heterogeneidades y contradicciones dentro del mismo 18 . Como antes puntalizábamos, la comunidad Mapuche Paichil Antriao obtuvo la formalización correspondiente por 17 En este año 2022, en un contexto de aguda conflictividad, el Municipio modificó la denominación de la calle "Cacique Antriao" por "Antriao" (solo). 18 Cabe destacar que la Argentina es un país federal que asigna a los estados provinciales y municipales autonomía jurídica (siempre y cuando estén dentro del "espíritu" de la Constitución y las legislaciones del ámbito Nacional). Por ello, existen diferentes niveles estatales que pueden legislar y aplicar políticas en relación a la cuestión indígena: el Nacional (Federal), el Provincial y el Municipal.


parte del Estado Nacional 19 , quien también viene trabajando articuladamente a través de diferentes organismos (como la Administración de Parques Nacionales). Muy diferente es lo que sucede con el gobierno provincial -y en especial el Municipio -que desconocen su carácter de "comunidad", impidiendo que cuenten con los derechos que les asignan las legislaciones a los pueblos originarios . Incluso se ha llegado a fuertes disputas de los organismos oficiales entre sí. Prueba de ello, es la denuncia que realizó el Instituto Nacional contra la Xenofobia, el Racismo y la Discriminación (I.N.A.D.I.) como dependencia del Estado Nacional, al municipio de Villa la Angostura ante la falta de reconocimiento de la preexistencia del pueblo Mapuche en la localidad, en ocasión de la modificación de la Carta Orgánica (Constitución del ámbito municipal) 20 que tuvo lugar en los años 2008-2009.


Este hecho, en relación el Municipio de Villa la Angostura y la negativa reconocer la preexistencia del pueblo Mapuche en el ámbito local, es un ejemplo paradigmático de cómo, a pesar de la reforma constitucional de 1994 y los derechos previstos hacia los pueblos originarios a través de diversas legislaciones y convenios internacionales a los que ha adherido la Argentina (que por cierto poseen rango constitucional), en los hechos tales prerrogativas se siguen desconociendo. Uno de los aspectos en que se ven reflejadas dichas violaciones hacia los pueblos originarios, es en la creciente criminalización y judicialización indígena.


En este sentido, un informe del Observatorio de Derechos Humanos y Pueblos Indígenas (ODHPI, 2013) señala que en el conjunto de la Provincia de Neuquén los delitos por los cuales vienen siendo judicializados son mayormente bajo el presunto cargo de "usurpación" (25 causas sobre 42), 10 por "desobediencia o impedimento de funciones", en tanto los 7 restantes se refieren a delitos como " daños, lesiones, obstrucción del tránsito y coacción" (ODHPI, 2013). Ahora bien, pese a que en todas las causas judiciales que llegaron a la etapa de juicio los miembros de la Comunidad han sido sobreseídos o absueltos, se continúan promoviendo diversos procesos judiciales en su contra. A la vez, estas acciones se sostienen (y a la vez retroalimentan) una campaña difundida desde los medios masivos de comunicación y dirigido por ciertos sectores económicos con indudables intereses en los territorios de la comunidad. Tal operación los señala una y otra vez como "delincuentes" y a la vez niega su condición in-654 dígena a través de los discursos estigmatizantes y falaces a los que antes hacíamos referencia. Paralelamente, la falta de reconocimiento por parte de diversos entes estatales (como la Nación y Provincia) refuerza dicha construcción.


Uno de los hechos más graves que ha afectado a la comunidad Paichil Antriao, es el litigio con el ciudadano estadounidense William.


Fisher, quien en el año 2006 demandó ante el juez local a las autoridades de la Comunidad, para que "le restituyeran" aproximadamente 10 hectáreas sobre las que tenía título civil del año 1983, argumentando que las poseía desde entonces y que había sido "despojado" de ellas por personas que invocaban "un derecho del pueblo originario".


Dicha demanda no se notificó a quienes iba dirigida -a la comunidade -sino a otras personas ajenas a la misma. Luego el demandante desistió de su acción en contra de las autoridades comunitarias, continuando el juicio con los notificados (que no eran miembros de la comunidad), quienes no contestaron la demanda, ni se presentaron a declarar. En el año 2007 el juez consideró su ausencia como reconocimiento y ordenó "restituir la posesión" a Fisher.


Desde ya la falta de notificación había impedido a la Comunidad ejercer su defensa, explicar que la posesión indígena ancestral prevalecía sobre el código civil y reclamar la suspensión de los desalojos en virtud de la ley 26.160.No obstante, el juez rechazó el pedido de nulidad sosteniendo que la cuestión debatida era de derecho privado y que el planteo había sido presentado vencido el plazo de dos días.


Su decisión fue apelada pero el recurso fue denegado.


En la mañana del 2 de diciembre de 2009, en pleno momento en que se desarrollaba una intensa campaña mediática de algunos sectores oficiales -y en especial privados -en contra del movimiento indígena, un sector de la Comunidad fue desalojado violentamente.


Conducidos por el Secretario de Seguridad de la Provincia, el fiscal de Villa La Angostura y el abogado de Fisher, un grupo especial de la policía y civiles contratados, irrumpieron violentamente en el territorio comunitario, expulsaron de sus viviendas a los miembros de la Comunidad, destruyeron las casas y se llevaron sus pertenencias.


A partir del desalojo y durante varios meses, la policía, (a veces dirigida por el propio empresario Fisher, en una práctica por demás insólita), entraba sin pedir autorización en el resto del territorio de la Comunidad Paichil Antriao, realizaba controles, ingresaba a las viviendas, amenaza, golpeaba y detenía por horas a las personas.


Cuando se presentaron en el lugar funcionarios nacionales del Instituto Nacional contra la Xenofobia, el Racismo y la Discriminación (I.N.A.D.I.) y de la Secretaría de Derechos Humanos, para tomar conocimiento de la situación, la policía provincial les impidió acercarse al lugar .


El mismo juez que ordenó el desalojo ha impulsado nuevas causas penales en contra de miembros de la comunidad imputándolos por usurpación, resistencia a la autoridad y desobediencia. En cambio, las diversas denuncias de la Comunidad no fueron investigadas y ningún policía ha sido citado a dar explicaciones. Fisher, por su parte, inició trabajos de construcción en la zona del rewe (sitio sagrado Mapuche para la realización de diversas ceremonias de la Comunidad), buscando la destrucción del mismo. Debido a ello, fue solicitada una orden de prohibición para proteger el lugar, y otro juez de una localidad cercana (Junín de los Andes, al norte de Villa la Angostura) que actuaba durante el receso judicial de enero, otorgó la medida.


A partir de estos graves hechos, una serie de sectores sociales locales, regionales, nacionales -incluso internacionales -se movilizaron en apoyo a la Comunidad Paichil Antriao. El defensor del pueblo de la Nación emitió una declaración a favor de la misma, frente a un pedido presentado por una organización indígena a pocos días 656 de efectuado el desalojo 21 . A la vez, personalidades del ámbito de la cultura 22 y/o periodistas reflejaron en algunos medios de difusión masivos estos graves hechos 23 .


Por otro lado, la comunidad Paichil Antriao a través de sus patrocinantes legales, presentó una demanda ante la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) dependiente de la Organización de Estados Americanos (OEA), quién falló a favor de la misma (en contra del Estado Argentino) ante las diversas irregularidades e incumplimientos de las normativas y convenios internacionales vigentes.


Cabe destacar que se ha dado un avance en los últimos años, a partir del convenio que celebraron en el año 2012 el Estado Nacional y Provincial para la ejecución de la demorada Ley nº 26.160, que permitiría finalmente, y luego de más de 9 años de dilaciones, 21 Ver el libro: Historia de las Familias Mapuche Lof Paichil Antriao y Lof Quintriqueo, Mapuche de la Margen Norte del Lago Nahuel Huapi (compilado por Archivos del Sur, Biblioteca Popular Osvaldo Bayer, Villa La Angostura), en especial el anexo documental, de la 3era edición (actualizado al mes de abril de 2010, que incluye los hechos de fines del 2009 y principios de 2010), paginas 187 a 232. 22 El reconocido periodista y escritor Osvaldo Bayer publicó varias notas en el matutino "Página 12" en los días posteriores al desalojo en la comunidad Paichil Antriao, denunciando estos acontecimientos (Ver los artículos de este autor "De Puerto Pirámide a Neuquén", Diario "Página 12", Sábado 5 de diciembre de 2009 y "Seguridad y bienestar". Diario "Página 12", Sábado 2 de enero de 2010). Bayer es un reconocido historiador y periodista, activo luchador por los derechos de los pueblos originarios y en favor de diversas causas de sectores sociales vulnerados y marginados. A través de sus numerosas obras y sus artículos periodísticos, ha visibilizado realidades desconocidas y documentado la resistencia de diversos grupos. 23 El periodista Darío Aranda, publico la nota (en relación a estos hechos) "Cómo barrer la historia con municiones" en el mismo Diario "Página 12", el día Martes 12 de enero de 2010. efectuar el relevamiento correspondiente en la Comunidad Paichil Antriao (y también Quintriqueo como luego veremos), las que se encuentran contempladas en dicho acuerdo al tener personería Jurídica del Estado Nacional.


La comunidad Quintriqueo: "usurpadores" en su territorio ancestral El segundo caso que analizaremos, corresponde al testimonio con que iniciamos este artículo, que también nos sitúa en el Departamento "Los Lagos" de la Provincia de Neuquén, a unos 40 kilómetros de la localidad de Villa la Angostura en dirección "este", también sobre la costa norte del lago Nahuel Huapi. Los "Quintriqueo" se asientan en el paraje "Paso Coihue", a mitad de camino entre Bariloche y Villa la Angostura, en un sitio paradisíaco en las cercanías de una playa del brazo huemul del lago Nahuel Huapi, lo que indudablemente hace de la zona un área particularmente valorada para actividad turística.


Los antecedentes históricos de ocupación de esta área por parte de la familia Quintriqueo, datan de varios siglos, mucho antes de ladenominada "Conquista del Desierto". En efecto, tal como lo relata Gregorio Alvaréz en su libro del año 1972 Neuquén: Su historia, su geografía, su toponimia. Provincia del Neuquén, en sus crónicas de una expedición de las más antiguas en la zona (del año 1784), el comandante del fuerte de San Carlos, don Francisco Esquivel y Aldao menciona la existencia de tres caciques que gobernaban la región:


"Rayhuán", "Currilipi" y el tercero -a quien no podemos dejar de relacionar con los "Quintriqueo" -llamado "Quintrequi".


Otro documento sumamente relevante, es el libro Antigüedades en la Región de los Lagos Nahuel Huapi y Traful, autoría de Milcí-658 ades Vignati 24 (Instituto del Museo de la Universidad Nacional de La Plata. La Plata, Argentina, 1944), quien en la página nº 79 presenta un croquis realizado por el Comandante Bejarano 25 en el año 1872 de la margen norte del lago Nahuel Huapi, el área de la península Huemul. Si bien el objetivo del grafico es ubicar las ruinas de la "Misión de Nahuel Huapi" (fundada por el padre Mascardi en el año 1671) no obstante, se puede observar claramente la presencia de tolderías, e incluso figuran los nombres de Lonkos Mapuche como Saihueque, Ñancucheo y Quenquemtreu (Quintriqueo). Este dato posee gran relevancia, ya que permite demostrar con respaldo documental la presencia ancestral de estas familias con anterioridad a la denominada "Conquista del Desierto" (en el año 1872), en plena coincidencia con los relatos orales actuales de los integrantes de estos grupos familiares y con otras fuentes de información.


Finalmente, otro datomás que elocuente, es el nombre de "Quintriqueu" al cerro ubicado próximo al Brazo Huemul y "Quintriqueuco" al arroyo que desemboca sobre el Lago Nahuel Huapi en esta zona. Estas denominaciones evidencian la presencia de esta familia desde los primeros tiempos de registro documental de estos accidentes geográficos.


En concordancia con estas fuentes documentales, los testimonios de estas familias, dan cuenta de su presencia en la región anterior preexistente a la conformación del Estado -Nación y al domi- un "Permiso Precario de Ocupación y Pastaje" otorgado por Parques Nacionales 27 , figura legal que esta institución otorgaba a los pobladores de escasos recursos (por lo general indígenas) que implicaba una serie de trabas y una situación de gran inestabilidad para las familias indígenas que eran titulares de los mismos .


Aquí cabe señalar que el área en disputa (a partir del año 2003) corresponde a la zona más cercana al lago, próxima a la ruta Nº 231 que conecta San Carlos de Bariloche con Villa la Angostura, y que desde ya es la más valorada turísticamente. Esta es la zona sobre el cual le son cedidos los derechos por los Newbery en la década del '60, que constituye la zona de litigio y cuya resolución judicial se encuentra aún pendiente. El resto del territorio, se encuentra bajo jurisdicciónde la Administración de Parques Nacionales, con permiso precario de ocupación sobre los que en la actualidad no hay conflicto, si bien durante décadas sufrieron diversos intentos de desalojos, persecución por parte de esta institución y litigio con los estancieros de la familia Jones que avanzaban sobre dichas áreas.


En los años subsiguientes a esta cesión que tiene lugar en la década del '60 los Quintriqueo van a permanecer en la zona (como de hecho lo vienen haciendo desde tiempos inmemoriales) hasta nuestros días,realizando diferentes actividades en el campo como crianceros y muchos de sus integrantes trasladándose por temporadas cortas o bien diariamente para desempeñarse en empleos asalariados.


Pero un momento clave en este conflicto, tiene lugar hace unos años cuando la documentación original de la cesión de los 60'le fue sustraída a los integrantes de la familia Quintriqueo. El mecanismo -según relata esta familia indígena -fue a través de un abogado que actuó en 27 Permiso Precario de Ocupación y Pastaje Nº 237 (expediente 1706/1936) del Parque Nacional Nahuel Huapi.


una primera instancia como defensor de los Quintriqueo obteniendo de esta forma el poder de cesión correspondiente. Pero luego es sustraído este poder quedándose la familia mapuche sin el comprobante entregado por Fanny Taylorde Newbery a finales de los 60'.


Luego de efectuada esta acción, a principios de la década del 2000 aparece un presunto representante de los Newbery, quien reclamó los campos y entabló una demanda por "usurpación" a la familia mapuche a sabiendas que no contaban con el aval legal de ocupación de este sector.


Así es como llegamos al mes de Mayo del año 2003, donde se dan los hechos que relatamos a partir del testimonio del periodistaAdrián Moyano al inicio de este artículo, cuando los integrantes de la familia Quintriqueo fueron desalojados (de la parte baja cercana a la ruta nº 231 y al lago) de los campos de Paso Coihueque ocupan ancestralmente. Los pobladores reaccionaron rápidamente: el 25 de Mayo (10 días después de ser desalojados), -el mismo día que Nestor Kirchner asumía la presidencia de la Nación -unas 50 personas mapuche y no mapuche, recuperaron pacíficamente la zona en litigio. Participaron de la acción habitantes de las localidades cercanas y miembros de la Confederación Mapuche Neuquina . A los pocos días, un fallo judicial considerado inédito por los beneficiados ordenó restituir el campo de 700 hectáreas de Paso Coihue a los Quintriqueo (Diario "La Mañana del Sur", 05/06/03). Con este hecho, los Quintriqueo inauguraban la presencia de conflictos vinculados a la población indígena Mapuche en la zona de Villa la Angostura y zonas aledañas, si bien en los meses siguientes los litigios se acrecentarían con la reorganización de la comunidad Paichil Antriao y los crecientes enfrentamientos con referentes privados. Los integrantes de esta familia indígena fueron judicializados por el presunto delito de "usurpación". Remarquemos este punto porque es central en relaci-662 ón al argumento de este trabajo: los Quintriqueo se encuentran judicializados por vivir en el territorio donde vivieron desde siempre al punto que un arroyo o una montaña cercana lleva su nombre. Tuvieron un poder de cesión de una pobladora de origen norteamericana -a quien cuidaron durante años -, y dicho documento les fue sustraído por un abogado que se ofreció a regularizarles los papeles (aprovechando la inseguridad jurídica en que se encuentran) y sabiendo que no cuentan con tal documento los demandan por usurpación.


Desde aquellos hechos del año 2003 los Quintriqueo permanecieron en el lugar fueron experimentando un proceso de fortalecimiento de la identidad mapuche y de pertenencia al territorio, que se ve reflejado en la Ruka (casa en Mapuche) que construyeron en la vera de la ruta nº 231 en el año 2008 como forma de despertar la atención de los visitantes y turistas ofreciendo diferentes productos caseros y mostrando la pertenencia al lugar.


A la vez crecientemente fueron recogiendo la solidaridad de numerosas organizaciones sociales, políticas y sindicales, a la vez que se intensificó su participación en organizaciones etnicistas como la Confederación Mapuche Neuquina, que agrupa a las comunidades y pobladores indígenas de la provincia y también la articulación con diferentes referentes y grupos indígenas de la región y el país.


Paralelamente, la comunidad Quintriqueo fue reconocida por el Estado-Nacional (como "Lof. Kinxikew")a través del Instituto Na- Recordemos, en este sentido, que en todos los casos en los que estas causas judiciales ya se han resuelto, los Mapuche han sido absueltos, demostrándose además la apropiación de sus territorios ancestrales por agentes privados y estatales a lo largo de la historia.


En algunos de estos casos, tales procesamientos han adquirido características absolutamente absurdas (y si se quiere grotescas) al ser inculpados por la ocupación y/o recuperación de un territorio en el cual se asienta un cementerio donde se encuentran enterrados sus antepasados (caso de la Comunidad Takul-Cheuque en Villa Tacul, San Carlos de Bariloche). O bien por reclamar áreas donde un arroyo y una montaña llevan el nombre de las familias presuntamente "usurpadoras", siendo este precisamente el caso de la comunidad Quintriqueo.


Es nuestra intención enfatizar la complejidad y heterogeneidad en las acciones del Estado en sus diferentes niveles (VALVERDE, 2013), que por un lado asigna una serie de derechos -y hasta puede sancio-666 nar a otros niveles estatales cuando no los cumple tal como hemos visto -mientras a la vez son dependencias estatales las que sancionan judicialmente a los Mapuche por el ejercicio de dichos derechos.


Esto evidencia cómo se adoptan reformas legales que reconocen las diferencias, pero en el fondo se sigue concibiendo al país y la región como monoculturales (ODHPI, 2013).


Por ello, la complejidad y las contradicciones inherentes a las transformaciones resultantes del reconocimiento de los pueblos indígenas como sujetos de derecho, sigue constituyendo una temática a investigar por la Antropología y otras disciplinas. La criminalización y judicialización representa una parte fundamental de estas dinámicas, en la medida en que a veces representa la negación misma de tales derechos conquistados. Assim, a análise de processos de administração de conflitos e a ênfase na compreensão das sensibilidades jurídicas vigentes é associada à preocupação com as concepções de igualdade que dão sentido ao exercício da cidadania.


Tal articulação aparece de forma clara nas quatro partes do livro; seja na administração de conflitos no âmbito dos tribunais ou fora deles na seção sobre "desafios da equidade", na diversidade de situações abordadas nas seções sobre "gênero" e "juventude", ou na seção que tem como foco os "povos tradi-

Prefeitura de Niterói lança programa de colônia de férias na rede municipal

Prefeitura de Niterói lança programa de colônia de férias na rede municipal. A Prefeitura de Niterói implanta um programa de colônia de féri...